Conhecido por H. P. Lovecraft, foi um escritor estadunidense que revolucionou o gênero de terror, atribuindo-lhe elementos fantásticos típicos dos gêneros de fantasia e ficção científica.Lovecraft originou o ciclo de histórias que, posteriormente, foram agrupadas nos Mitos de Cthulhu e o grimório fictício conhecido como Necronomicon — atribuído em suas histórias a um estranho árabe de nome Abdul Al Hazred — através do qual os seres humanos em suas histórias entravam em contato com o panteão de entidades criadas pelo autor. Lovecraft era assumidamente conservador e anglófilo, o que pode ser observado em seu poema An American To Mother England, publicado em janeiro de 1916. Seu estilo literário emprega arcaísmos, vocabulário e ortografia marcadamente britânicos, fato que contribui para aumentar a atmosfera de suas histórias, como no conto O Caso de Charles Dexter Ward, que contêm referências a personagens que viveram antes da independência das Treze Colónias, bem como a estabelecimentos comerciais existentes entre os séculos XVII e XVIII.
Lovecraft chamava seu princípio literário de "Cosmicismo" ou "Horror Cósmico", pelo qual a vida é incompreensível ao ser humano e o universo é infinitamente hostil aos seus interesses. Suas obras expressam uma profunda indiferença às crenças e atividades humanas, assim como uma atitude profundamente pessimista e cínica, muitas vezes desafiando os valores do Iluminismo, do Romantismo, do Cristianismo e do Humanismo.Os protagonistas de Lovecraft eram o oposto dos tradicionais por momentaneamente anteverem o horror da última realidade e do abismo.
Durante sua vida, Lovecraft teve um número relativamente pequeno de leitores. No entanto, postumamente, com o passar das décadas, sua reputação foi se elevando e, agora, é considerado um dos escritores de terror mais influentes do século XX. Joyce Carol Oates disse que Lovecraft, assim como Edgar Allan Poe no século XIX, tem exercido "uma influência incalculável sobre sucessivas gerações de escritores de ficção de horror" e Stephen King classificou o escritor como "o maior praticante do século XX do conto de horror clássico".
Lovecraft era o único filho de Winfield Scott Lovecraft, negociante de joias e metais preciosos, e Sarah Susan Phillips, oriunda de família notória, que podia traçar suas origens directamente aos primeiros colonizadores americanos. Winfield e Sarah casaram-se numa idade relativamente avançada para a época. Quando Lovecraft tinha três anos, seu pai sofreu uma aguda crise nervosa que o deixou com profundas sequelas, obrigando-o a passar o resto de sua vida em clínicas de repouso.
Lovecraft com aproximadamente 9 anos de idade.
Assim, ele foi criado pela mãe, pelas duas tias e pelo avô, Whipple van Buren Phillips. Lovecraft era um jovem prodígio que recitava poesia aos dois anos e já escrevia seus próprios poemas aos seis. Seu avô encorajou seus hábitos de leitura, arranjando-lhe versões infantis da Ilíada e da Odisseia, de Homero, e introduzindo-o à literatura de terror, apresentando-lhe histórias clássicas do terror gótico.
Lovecraft era uma criança constantemente doente. Seu biógrafo, L. Sprague de Camp, afirmou que o jovem Howard sofria de poiquilotermia, uma raríssima doença que fazia com que sua pele fosse sempre gelada ao toque. Dados seus problemas de saúde, ele frequentou a escola apenas esporadicamente, mas lia bastante.
Seu avô morreu em 1904, o que levou a família a um estado de pobreza, devido à incapacidade das filhas de gerirem seus bens. A família foi obrigada a se mudar para acomodações menores e insalubres, o que prejudicou ainda mais a já débil saúde de Lovecraft. Em 1908, ele sofreu um colapso nervoso, acontecimento que o impediu de receber seu diploma de graduação do ensino médio e, consequentemente, complicou sua entrada numa universidade. Esse fracasso pessoal marcaria Lovecraft pelo resto de seus dias.
Durante a juventude, Lovecraft dedicou-se a escrever poesia, mergulhando na ficção de terror apenas a partir de 1917. Em 1917, publicou seu primeiro trabalho profissional: o conto Dagon, na revista Weird Tales. Lovecraft, junto de Clifford Martin Eddy, Jr., foi um ghostwriter da revista Weird Tales, inclusive escrevendo uma história para Harry Houdini, chamada "Sob as Pirâmides" ("Under the Pyramids", também conhecida como "Imprisoned with the Pharaohs"). Sua mãe nunca chegou a ver nenhum trabalho do filho publicado, tendo morrido em 1921 após complicações de uma cirurgia.
Lovecraft trabalhou como jornalista por um curto período, durante o qual conheceu Sonia Greene, com quem viria a casar. Ela era uma judia natural da Ucrânia, oito anos mais velha que ele, o que fez com que sua tias protestassem contra o casamento. O casal mudou-se para o Brooklyn, na cidade de Nova Iorque, cidade de que Lovecraft nunca gostou.O casamento durou poucos anos e, após um divórcio amigável, Lovecraft regressou a Providence, onde moraria até morrer.
O período imediatamente após seu divórcio foi o mais prolífico de Lovecraft, no qual ele se correspondia com vários escritores estreantes de horror, ficção e aventura. Entre eles, seu mais ávido correspondente era Robert E. Howard, criador de Conan o Bárbaro. Algumas das suas mais extensas obras foram escritas nessa época, como Nas Montanhas da Loucura e O Caso de Charles Dexter Ward, seu único romance.
Seus últimos anos de vida foram bastante difíceis. Em 1932, sua amada tia Lillian Clark, com quem ele vivia, faleceu. Lovecraft mudou-se com Annie Gamwell, sua outra tia e companhia remanescente, para uma pequena casa alugada, que se situava atrás da biblioteca John Hay. Para sobreviver, considerando-se que seus próprios textos aumentavam em complexidade e número de palavras, dificultando as vendas, Lovecraft apoiava-se como podia em revisões e ghost-writing de textos assinados por outros, inclusive poemas e não-ficção. Em 1936, a notícia do suicídio do seu amigo Robert E. Howard deixou-o profundamente entristecido e abalado. Nesse ano, a doença que o mataria (câncer no intestino) já avançara o bastante para que pouco se pudesse fazer contra ela. Pelos meses seguintes, Lovecraft aguentou dores cada vez mais crescentes, até que, a 10 de março de 1937, viu-se obrigado a internar-se no Hospital Memorial Jane Brown. Ali morreria cinco dias depois. Contava então 46 anos de idade.
Howard Phillips Lovecraft foi enterrado no dia 18 de março de 1937, no cemitério Swan Point, em Providence, no jazigo da família Phillips.Seu túmulo é o mais visitado do local, mas passou décadas sem ser demarcado de forma exclusiva. No centenário do seu nascimento, fãs norte-americanos cotizaram-se para inaugurar uma lápide definitiva, que exibe a frase "Eu sou Providence", extraída de uma de suas cartas.
Obra
Lovecraft é um dos poucos autores cuja obra literária não tem meio-termo: volta-se única e exclusivamente para o horror, tendo como finalidade perturbar o leitor, depois de atraí-lo para a atmosfera, o ambiente, o clima daquilo que lê. Muitas vezes, ele parte de uma situação, à primeira vista, banal para, paulatinamente, revelar o horror por trás dela. Assim acontece no romance O Caso de Charles Dexter Ward, no qual a atmosfera de normalidade vai se desfazendo à medida que o autor vai revelando, aos poucos, o resultado da pesquisa que o citado Charles fizera tentando encontrar um seu antepassado que havia sido obscurecido propositadamente.Muitos dos trabalhos de Lovecraft foram directamente inspirados por seus constantes pesadelos, o que contribuiu para a criação de uma obra marcada pelo subconsciente e pelo simbolismo. As suas maiores influências foram Edgar Allan Poe, por quem Lovecraft nutria profunda afeição, e Lord Dunsany, cujas narrativas de fantasia inspiraram suas histórias em Terras de Sonho.
Além da atmosfera banal, outro ingrediente da fórmula lovecraftniana para seduzir o leitor é o uso da primeira pessoa: a maior parte de seus contos, como "O Chamado de Cthulhu", "Um Sussurro nas Trevas", "A Cor que Caiu do Céu", "Sombras Perdidas no Tempo" e "Nas Montanhas da Loucura", são narrados em primeira pessoa. Em algumas histórias, todos os acontecimentos são vividos pelo narrador, como em "Sombras Perdidas no Tempo". Em outras, o narrador convive com algumas personagens e toma parte dos fatos (em geral, a pior delas).
As constantes referências nas histórias de Lovecraft a horrores, monstros e divindades ancestrais acabaram por gerar algo análogo a uma mitologia, popularmente conhecida como Cthulhu Mythos, expressão criada após a morte do autor pelo escritor August Derleth, um dos muitos escritores a basearem suas histórias na mitologia criada por Lovecraft. O Cthulhu Mythos contém vários panteões de seres extra-dimensionais que reinaram sobre a Terra há milhões de anos. Estes seres eram tão poderosos que eram ou podiam ser considerados deuses. Alguns deles, inclusive, teriam sido os responsáveis pela criação da raça humana e teriam uma intervenção direta em toda a história do universo. Algumas das histórias de Lovecraft mostram a paixão deste por gatos, que o levou a criar a fícticia cidade de Ulthar. Esta última é mencionada na história "Em Sonhos, à Procura da Desconhecida Kadath".
Lovecraft criou também um dos mais famosos e explorados artefatos das histórias de terror: o Necronomicon, um fictício livro de invocação de demônios escrito pelo também fictício Abdul Alhazred. Até hoje, é popular o mito da existência real deste livro, fomentado especialmente pela publicação de várias edições falsas do Necronomicon e por um texto, da autoria do próprio Lovecraft, explicando sua origem e percurso histórico.
Lovecraft também escreveu o ensaio "O Horror Sobrenatural na Literatura", ainda considerado o mais importante sobre o gênero, mesmo tendo se passado mais de setenta anos da sua publicação. O surgimento, posteriormente, de autores como Robert Bloch e Stephen King não alterou este fato.
Racismo
Racismo é o ponto mais controverso da obra de Lovecraft, pois algumas passagens deixam transparecer suas ideias abertamente racistas. No conto Herbert West: Reanimator, por exemplo, há o seguinte trecho: "O negro foi nocauteado e um breve exame nos revelou que ele assim ficaria. Ele era uma coisa grotesca, parecida com um gorila, com braços anormalmente longos que eu não poderia evitar de chamar de patas dianteiras (...). O corpo deve ter parecido ainda pior em vida – mas o mundo contém muitas coisas feias."
Contos como O Horror em Red Hook e O Chamado de Cthulhu também contém elementos racistas e frases com esse tipo de conotação, além de um profundo sentimento anti-imigração. Em uma carta endereçada a Lillian D. Clark em 1926, Lovecraft afirma que qualquer um que não tivesse "a pele clara dos nórdicos" era inferior. O autor não demonstrava apreço uniforme por todos os povos brancos, demonstrando mais estima por povos ingleses ou de ascendência inglesa. Alguns pesquisadores consideram que o preconceito exibido por Lovecraft era mais culturalmente brutal do que biológico, pois ele mostrava simpatia a estrangeiros que adotavam a cultura anglo-saxônica, chegando ao ponto de se casar com uma mulher de origem judaica
Para alguns autores, como o escritor britânico China Miéville e o escritor francês Michel Houellebecq, o ódio de raça é um elemento central na obra de Lovecraft:"Suas criaturas monstruosas seriam representações de seus temores e fobias raciais", escreve Miéville na antologia The Age of Lovecraft. Para Miéville, o anti-humanismo na obra de Lovecraft era baseado em um "ódio de raça assassino".
Em um ensaio polêmico sobre a obra de Lovecraft, o francês Michel Houellebecq atribui a força criadora do autor ao seu ódio racial, dizendo que sua criatividade é oriunda de um profundo ódio de raça: "É o ódio racial que provoca em Lovecraft esse estado de transe poético em que ele excede a si mesmo na pulsação rítmica e louca das frases malditas; é ele [o ódio] que ilumina seus grandes textos com um brilho hediondo e cataclísmico", escreve Houllebecq no ensaio H.P. Lovecraft - Contra o mundo, contra a vida (Nova Fronteira, 2020).
O biógrafo de Lovecraft S.T. Joshi tem uma opinião diferente. Para ele, o elemento racista não seria elementar aos contos do autor e o preconceito seria uma característica das obras da juventude do americano, e que teria se atenuado ao longo de sua vida, principalmente a partir do momento em que ele se casou com Sonia Greene, que tinha ascendência judaica. Para Joshi, seus escritos posteriores exibem um racismo que se atenuou para um elitismo/classismo que considerava superiores todos aqueles que se "enobreçam através da alta cultura". No conto O Horror de Dunwick, de 1928, por exemplo, Lovecraft descreve com diversos adjetivos negativos a população mais pobre do interior da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos.
No entanto, diversos dos contos em que há presença de ideias abertamente racistas são posteriores ao seu casamento com Sonia Greene, em 1924. O Chamado de Cthulu é de 1926 e o Horror em Red Hook é de 1925. Para Michel Houellebecq, foi o período em que o autor viveu dificuldades em Nova York, após seu casamento, em que "suas opiniões racistas se transformam em uma autêntica neurose racial”.O racismo do autor foi um dos motivos que levou a premiação World Fantasy Award a modificar o design de seu trófeu, que até 2014 trazia um busto de Lovecraft.
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