26 de novembro de 2020

Dica de Leitura: O que Terรก Acontecido a Baby Jane?

Uma boa histรณria nรฃo envelhece jamais. ร‰ o caso de O que terรก acontecido a Baby Jane?
Lanรงado originalmente em 1960, e hรก dรฉcadas fora de catรกlogo no Brasil, era um dos livros mais pedidos pelos exigentes leitores da DarkSide® Books.
O romance de Henry Farrell, brilhantemente adaptado ao cinema em 1962, tem o mesmo toque de terror gรณtico e psicolรณgico de grandes clรกssicos desenterrados pela editora, como Psicose (1959), de Robert Bloch, e Menina Mรก (1954), de William March.
O que terรก acontecido a Baby Jane? conta a histรณria das irmรฃs Hudson, duas mulheres de idade que vivem isoladas em uma mansรฃo e mantรชm uma relaรงรฃo doentia de dependรชncia, inveja, rancor e culpa.
“Baby” Jane Hudson fez nome nos palcos de teatro vaudevile quando era crianรงa.
Mas isso foi hรก tantos anos que ninguรฉm mais se lembra dela. Sua irmรฃ Blanche foi uma estrela maior, de grande sucesso em Hollywood.
Um acidente de carro, porรฉm, afastou-a dos holofotes e a colocou sobre uma cadeira de rodas.
Aos poucos, os ressentimentos se transformam em obsessรฃo, colocando em risco iminente a vida ― e tambรฉm a sanidade ― das duas irmรฃs.
O que terรก acontecido a Baby Jane? virou referรชncia por sua adaptaรงรฃo cinematogrรกfica, com Bette Davis e Joan Crawford.Mas toda a angรบstia, a inspiraรงรฃo gรณtica e atรฉ a atmosfera sombria da fotografia em preto e branco do longa-metragem jรก estavam presentes nas pรกginas do livro.
Foi Crawford quem enxergou no livro uma oportunidade para fazer seu retorno triunfal ao cinema. Hollywood nรฃo oferecia bons papรฉis para alguรฉm de sua idade. A atriz tambรฉm sugeriu ao produtor do filme o nome da outra protagonista: sua arqui-inimiga na vida real,Bette Davis.
A rivalidade constante entre as duas grandes damas conferiu a tensรฃo exigida pelo filme, e foi recontada na sรฉrie feud (2017), de Ryan Murphy, criador de American Horror Story, Nip/Tuck e American Crime Story: O Povo Contra O.J. Simpson.
O que terรก acontecido a Baby Jane? chega em capa dura, tรฃo bonita e sinistra quanto uma boneca de porcelana trincada. Alรฉm do romance original, o livro apresenta trรชs contos do autor, incluindo “O que terรก acontecido a prima Charlotte?”, que tambรฉm ganhou uma adaptaรงรฃo ao cinema em 1964, com o tรญtulo de Hush...Hush, Sweet Charlotte (Com a Maldade na Alma), estrelando Bette Davis e Olivia de Havilland. O que terรก acontecido a Baby Jane? faz parte da coleรงรฃo Cine Book Club, filmes para ler, da DarkSide® Books.
Henry Farrell (1920–2006) foi escritor e roteirista. Sua obra mais conhecida foi o aclamado romance de horror gรณtico O que terรก acontecido a Baby Jane?, publicado originalmente em 1960 e adaptado dois anos depois para o cinema. Seu conto “O que terรก acontecido ร  prima Charlotte?” tambรฉm ganhou as telas de cinema, em 1964. 
Estrelas: 5/5 ⭐⭐⭐⭐⭐ Editora: Darkside;  1ยช ediรงรฃo (24 abril 2019) Idioma‏: ‎Portuguรชs Capa dura ‏ 320 pรกginas

15 de novembro de 2020

Dica de Leitura - Histรณrias para Ler e Morrer de Medo

Histรณrias para ler e morrer de medo
Antologia
Sinopse: 
Existem histรณrias que foram contadas e passadas de pai para filho e que com o tempo tornaram-se fictรญcias, mas que originaram-se de histรณrias verdadeiras, como no caso da Loira do Banheiro e tantas outras que hoje nรฃo passam de lendas urbanas.
Em "Histรณrias para ler e morrer de medo", organizada pelo escritor, editor e ativista cultural Ademir Pascale, o leitor encontrarรก histรณrias que farรฃo atรฉ os mais corajosos estremecerem.
O livro conta com 19 autores, incluindo esta moรงa que vos escreve neste blog.
Separei o meu conto mas tambรฉm tem no e-book completo. 

9 de novembro de 2020

Dica de Leitura - Mulheres, Mitos e Deusas

Algumas mulheres conheceram o cรฉu, outras o inferno; umas foram enaltecidas, santificadas, outras demonizadas; mas todas tocaram as profundezas do prรณprio ser, chegaram ao limite de sua condiรงรฃo e de seu tempo e se eternizaram na histรณria
Ao tomar contato com a histรณria e os dilemas vividos por figuras como Afrodite, Cinderela, Simone de Beauvoir e Virginia Woolf, a autora nos guia em uma viagem de resgate da essรชncia perdida ao ressignificar o papel feminino no mundo.
O livro revela uma anรกlise inteligente dos arquรฉtipos, dos mitos e das lendas construรญdos em torno da mulher, demonstrando como eles acabaram por reafirmar o machismo na cultura ocidental.
Estrelas: 5/5 ⭐⭐⭐⭐⭐Capa dura: 448 pรกginas Dimensรตes do produto: 23.2 x 16.2 x 3 cm Editora: Goya; 2ยช ediรงรฃo (30 outubro 2019) Idioma: Portuguรชs
Sobre a Autora:
Sociรณloga e mestre em Letras Hispรขnicas, Martha Robles foi professora na Faculdade de Ciรชncias Polรญticas e Sociais da Universidade Nacional Autรดnoma do Mรฉxico (UNAM), onde tambรฉm atuou como pesquisadora no Centro de Estudos Literรกrios do Instituto de Investigaรงรตes Filolรณgicas.
Ao longo de 21 anos, escreveu diariamente sobre cultura e polรญtica para o jornal Excรฉlsior, um dos mais antigos periรณdicos do Mรฉxico. Em 2012, trabalhou como diretora de anรกlise e colaboradora da revista Nueva Era, assinando dois artigos mensais atรฉ o encerramento da publicaรงรฃo. Sua produรงรฃo literรกria รฉ ampla e diversificada, abrangendo novelas, ensaios, poemas e antologias. Entre seus livros destacam-se Memorias de la libertad, La sombra fugitiva: escritoras en la cultura nacional, La ley del padre, Los pasos del hรฉroe e Mujeres del siglo XX. Nasceu em Guadalajara, Estado de Jalisco, em 1948.

4 de novembro de 2020

Contos: O Jardim da Casa Desconhecida

 
Jรก estava entardecendo, mas eu ainda conseguia ver o jardim. Despertei em meio a uma paisagem natural, um bosque com trilhas, รกrvores e pedras ao redor, o meu olhar se perdia por entre pinheiros, bรฉtulas, tรญlias, carvalhos que pareciam ter sรฉculos de idade e salgueiros com seus ramos longos e pendentes.

Ao meu redor vรกrios arbustos, veigelas floridas se destacavam fazendo o contorno dos troncos das รกrvores, hortรชnsias, narcisos, violetas, jasmins, gerรขnios, sรกlvias-vermelhas, lavandas, margaridas, verbenas e camรฉlias adornavam um lago coberto por ninfeias e vitรณrias-rรฉgias, alรฉm de muitos outros elementos que cresciam sem nenhuma intervenรงรฃo humana. Ao levantar, notei estar cercado por esculturas de gesso, estranhas estรกtuas de homens e mulheres velhos, vestiam roupas comuns, um menino com uma boina e sapatos gastos, uma menina de vestido, tinha lรกgrimas escorrendo pelo rosto e se agarrava a uma boneca, todos pareciam ter uma expressรฃo de profunda tristeza e sofrimento.

Olhando a paisagem percebi uma coisa, nรฃo me lembrava de como tinha chegado atรฉ este lugar, de ter saรญdo para caminhar, passado pelas รกrvores e de me deitar em meio a clareira. Quando fiquei totalmente desperto, nรฃo via ou ouvia nenhum animal, em meio a tantas flores nรฃo escutava abelhas zumbindo, besouros ou grilos voando sobre as folhas, nem mesmo aranhas tecendo suas emaranhadas teias e no lago nรฃo havia peixes, sapos ou salamandras, nem mesmo libรฉlulas danรงavam na superfรญcie da รกgua.

Parei um pouco para reorganizar as ideias, busquei olhar mais ร  frente, para o horizonte, talvez assim conseguisse me localizar alรฉm do bosque, olhava para cima, nรฃo sabia a hora exata, mas naquele momento o cรฉu รฉ uma aquarela de infinitas cores. Um vislumbre ver sol e lua ao mesmo tempo, a dama de prata surgindo ao leste, o sol jรก se pondo ao oeste e para o meu contentamento, embaixo do cรญrculo dourado que estava ficando com tons de laranja e vermelho, estava a silhueta gigantesca de uma construรงรฃo, primeiro monumento feito pelo homem que avistava em meio a natureza.
Eu provavelmente devia ter vindo de lรก, pois nรฃo conseguia identificar nenhuma outra edificaรงรฃo em nenhuma outra direรงรฃo. Talvez, ao me afastar demasiadamente da casa, eu tenha parado para descansar, caรญdo em sono profundo e conseguido despertar apenas ao entardecer.

Mesmo aliviado por ter para onde ir e seguir a diante pelo caminho da alameda, fui tomado por um sentimento de tensรฃo, a cada passo dado, sentia como se alguรฉm ou alguma coisa me observasse, tentava nรฃo alimentar essa sensaรงรฃo pois nรฃo havia ser neste lugar que caminhasse alรฉm de mim, nรฃo havia vida humana neste bosque alรฉm da minha. Deixei os temores de lado e comecei a andar para alcanรงar a casa, pelo tamanho monumental do contorno que ela projetava no horizonte parecia ser uma mansรฃo com muitos cรดmodos.
Segui andando, mas, algo peculiar acontecia, apesar de caminhar bastante e de sentir o tempo passar, nรฃo parecia nem um pouco que tinha me aproximado da casa, sua posiรงรฃo era a mesma, ao olhar para o cรฉu, o sol ainda nรฃo tinha se posto, o tom alaranjado e vermelho jรก estavam me deixando nervoso, a lua nรฃo chegou no seu apogeu, o vรฉu da noite nรฃo cobriu o cรฉu, tรฃo pouco trouxe a resplandescรชncia das outras estrelas. O cรฉu que contemplei com tamanha admiraรงรฃo hรก pouco tempo, era o mesmo que naquele instante me deixava incomodado e aflito.
A paisagem antes exuberante que me despertava atenรงรฃo tambรฉm jรก estava perdendo o seu brilho, pois seguia incessantemente e nada parecia mudar, as mesmas flores, a mesma trilha. Percebi algo perturbador, o lago nรฃo tinha borda, nรฃo enxergava caminho para chegar atรฉ a margem, naquele espaรงo sรณ existia escuridรฃo.
Nรฃo tinha como eu estar andando em cรญrculos, a estrada nรฃo fazia curvas, a casa, ou seja, lรก o que aquilo fosse, continuava no horizonte, sol e lua ganharam um aspecto detestรกvel de minha parte, nรฃo se moveram nem por um momento de seus lugares, eles, juntamente com as estรกtuas, flores e รกrvores eram privilegiadas ao assistirem a minha caminhada desafortunada.
Por um tempo fiquei sem saber o que fazer, nรฃo sabia se pernoitava no caminho e continuava na manhรฃ seguinte, com a luz do dia para me guiar ou se continuava dessa forma, caminhando sem chegar a lugar algum. De repente pensei na possiblidade de passar a noite aqui, mesmo que nรฃo tivesse visto nada que pudesse ameaรงar a minha vida, tinha essa sensaรงรฃo horrรญvel e sufocante, o ar denso, sem vento, junto as estรกtuas me observando, devia ser ainda pior na escuridรฃo e no silรชncio da madrugada. Decidi entรฃo ir caminhando, mesmo indo devagar pela trilha era melhor do que ficar parado.
No fim de tarde รฉ costume ventos do leste abrandarem o calor, mas, nem mesmo uma brisa balanรงava as รกrvores, pareciam feitas de pedra, seriam mais bonitas com o farfalhar das folhas, com o cantar dos pรกssaros em seus galhos, com o voo de joaninhas e borboletas pelas plantas, mas, nada acontecia, sentia um enorme cansaรงo, mesmo achando que adormeci por vรกrias horas, minhas forรงas se dissipavam.
O estado em que as coisas se encontravam era tรฃo bizarro que fiquei sem tomar nenhuma atitude relevante alรฉm de caminhar, tinha perdido a noรงรฃo do tempo, caminhava como se fosse uma missรฃo a realizar, uma sentenรงa a cumprir, por um momento me sentia conformado, mas, isso mudara em um instante, pois mais ร  frente, o medo voltou a tomar meu corpo, o sentimento de pavor tomava a minha mente por completo, notava alguรฉm muito prรณximo de mim e tive a nรญtida impressรฃo de ter sido tocado, de sรบbito me virei para trรกs como se algo estivesse lรก, mas nรฃo havia ninguรฉm, olhava para os lados, procurando alguรฉm ร  espreita, mas, nada. Os รบnicos olhos alรฉm dos meus eram os das estรกtuas, a mais prรณxima era de uma crianรงa, uma menina de vestido, sapatilhas e tranรงas no cabelo, com o rosto voltado para cima, olhos suplicantes para o cรฉu, cรฉu este que nem queria mais contemplar.

Nรฃo sei se minha mente estava a pregar peรงas ou a me alertar, se o meu cansaรงo me traรญa ou me ajudava. Em questรฃo de segundos, por puro instinto, comecei a correr, mas de maneira displicente nรฃo fui muito longe, tropecei, no meio do caminho tinha uma pedra, tentei ficar de pรฉ, mas em vรฃo, nรฃo consegui conter a queda e me lancei em direรงรฃo as flores, belos montes de violetas e lavandas amorteceram meu corpo, jรก as pobres coitadas ficaram destruรญdas, despetaladas, com os ramos quebrados e as folhas caรญram no chรฃo. Consegui levantar, atordoado, pensei em praguejar e amaldiรงoar o lugar, mas eu nรฃo precisava, jรก era um local maldito sem o desejo de ninguรฉm. No entanto, depois desse evento, alguma coisa aconteceu.
Quase que imediatamente, uma forte ventania balanรงou tudo ao meu redor, me lanรงando em direรงรฃo a silhueta da casa e, tamanha a surpresa, a paisagem tinha mudado, finalmente avistei algo inรฉdito, o fim da alameda. Cheguei em um cรญrculo gramado e no meio um enorme arco gรณtico, esculpido e ornamentado com flores, embaixo, uma tรกvola redonda com vasos cheios de belรญssimas rosas. Seguindo o novo caminho, largo, delimitado por canteiros de murtas e com uma grande escadaria que descia em direรงรฃo a outro jardim, este parecia estar sobe os cuidados de alguรฉm e o melhor de tudo, a mansรฃo parecia estar mais prรณxima.
Os caminhos estavam bem definidos, de contornos rรญgidos com cercas vivas de formas geomรฉtricas planejadas, os arbustos compactos, perfeitamente cortados eram de um verde tรฃo escuro e denso que pareciam ter sidos pintados ร  mรฃo.

Nessa parte do jardim, ciprestes podados em triรขngulos agudos, surgindo mais ร  frente, bancos adornados com pedras pretas, colunas elevadas com os topos cobertos de rosas e grandes globos luminosos. As รบnicas coisas que restaram do jardim anterior foram as estรกtuas, mas estas eram maiores, mais bonitas e feitas de mรกrmore, corpos de mulheres de esplรชndida beleza em trajes cerimoniais e homens com grande estatura e mรบsculos aparentes, ao olhar atentamente para elas, percebei uma caracterรญstica das estรกtuas vistas no bosque, todas elas possuรญam semblante triste e desesperado, como se no momento em que foram esculpidas, estivessem olhando para a morte.
Os espaรงos a minha frente foram milimetricamente pensados, estava certo de que os monumentos foram construรญdos por mรฃos humanas, assim como a mansรฃo, fazendo com que os jardins fossem uma extensรฃo da casa, ela jรก aparecia alรฉm do contorno, tinha janelas imensas, adornadas por esculturas de pedra e com vidros completamente pretos, no entanto, ainda nรฃo conseguia ver como chegar atรฉ ela.
Os traรงados dos caminhos foram cobertos com cimento e placas de cerรขmica, delimitados por cercas vivas muito fortes, com estrutura lenhosas, feitas de viburno podado, formando um canteiro perfeito para a as flores, essas, bem diferentes, nรฃo cresciam mais sozinhas a esmo pelo chรฃo, foram escolhidas para harmonizar o espaรงo, para serem esculpidas e comportadas em cachepรดs, vasos decorados e canteiros de vรกrios metros de extensรฃo e altura. Rosas brancas, rosas do รฉden, amarelas e vermelhas, enormes e com espinhos maiores ainda, caules tรฃo verdes que nem se assemelhavam a algo natural, mas sim com estruturas de ferro e com folhas gigantescas.
No chรฃo um caminho inteiro revestido de amor-perfeito, tulipas amarelas, vermelhas e azuis formavam figuras geomรฉtricas, losangos, triรขngulos, cruzamentos, todos iam em direรงรฃo a uma grande fonte e no centro dela, um imenso chafariz de onde jorrava รกgua cristalina. Ao final de cada gigantesco retรขngulo havia pergolados com caramanchรตes no topo, eu ficava parado embaixo deles para tentar recuperar as forรงas, estava extremamente cansado, nรฃo tinha feito nada alรฉm de dar voltas nesse jardim de proporรงรตes colossais, sem nenhuma esperanรงa de conseguir sair.
Aquela poda escultural das vegetaรงรตes, a simetria, estavam me deixando enjoado, centenas de metros nessa perspectiva, em meio ร quela organizaรงรฃo, sem nada fora do lugar, como tudo aquilo estava tรฃo bem podado, aparado, vasos com arbustos completos, plantas amarradas em uma perfeiรงรฃo que me deixava agoniado, nรฃo existia nada, alรฉm de flores, vasos, canteiros, trilhas, encruzilhadas, fontes, estรกtuas, mas nenhuma simples formiga, centopeia ou lagarta passeava pelo chรฃo, o รบnico barulho que quebrava o silรชncio era a queda d’รกgua do chafariz.
Mesmo ao livre eu jรก estava sufocando, queria gritar, chamar alguรฉm, nรฃo tinha pensado nisso antes, tinha que chamar por socorro, as pessoas que cuidavam do jardim viriam me ajudar, gritei com as forรงas que me restavam, mas nรฃo veio uma sรณ alma. Mais uma vez comei a correr, apenas passando pelos caminhos intocados, sem defeitos, alรฉm de nunca ter conseguido ver alguma passagem para chegar atรฉ a casa, nรฃo tinha ponte, portรฃo, muro, nada alรฉm de arbustos grandes, apesar de parecer mais prรณxima desde quando comecei essa jornada, ela ainda estava inatingรญvel, parecia nรฃo existir ninguรฉm dentro da casa que pudesse me ver do lado de fora, infinitas janelas, mas nenhuma aberta, cercadas por vidros intransponรญveis, nada devia passar por eles, nem mesmo a minha imagem.
Entรฃo, veio a minha cabeรงa, uma ideia assustadora, um temor percorreu todo o meu corpo, se estava preso aqui fora sem ninguรฉm na casa para me ver e ouvir, talvez, pessoas lรก dentro estivessem presas tambรฉm. E eu como um louco querendo entrar. Nรฃo havia outra explicaรงรฃo, empregados deviam receber ordens para deixarem as pessoas presas, sim, essa casa teria que ter empregados, alguรฉm deveria ser encarregado de cuidar dessas malditas flores, podar os arbustos e limpar a fonte.
Comemorei cedo demais, o sentimento de derrota tomava conta de tudo, mais uma vez fiquei desnorteado, nรฃo entendo como vim parar nessa situaรงรฃo, nรฃo me lembrava se alguรฉm me trouxera atรฉ aqui ou se fui convidado e vim de espontรขnea vontade. Nรฃo tinha mais forรงas, caรญ de joelhos e sem querer voltei a olhar para o cรฉu, agora mudado, o sol enfim estava se pondo, a lua brilhava esplendorosa, como um pincel descarregando a tinta na รกgua e os traรงos pretos azulados da noite empurravam os รบltimos raios vermelhos para o oeste pintando constelaรงรตes magnรญficas por todo o cรฉu.

Tal cena ficou impressa nos meus olhos, presa para sempre em minha mente, nรฃo permitiria mais que o pavor e o medo me controlassem, mesmo nรฃo querendo, a casa era o รบnico lugar para o qual poderia ir.  Comecei a pensar no que poderia ter me feito sair do outro jardim. Depois de caminhar por horas e ver as mesmas coisas passarem centenas de vezes, o รบnico acontecimento diferente foi ter tropeรงado e caรญdo sobre os arbustos e estragar algumas flores. Quem sabe o fato de ter alterado o estado “perfeito” das coisas, tivesse perturbado a entidade que mora aqui e que tenha montado tudo isso, pois somente um ser de outro mundo para fazer essas coisas sem a presenรงa de outras pessoas. Talvez ela nรฃo gostasse que mexessem nas suas flores e estragassem seu trabalho, ficaria furiosa se pisassem na grama tรฃo bem cortada e arrancassem as plantas de seus vasos. Eu poderia estar apenas tendo pensamentos loucos, mas eu nรฃo tinha mais nada a fazer a nรฃo ser tentar.
Sendo assim, saรญ correndo pela grama, com chutes, arranquei vรกrios tufos, fazendo inรบmeros buracos, joguei terra pelo belo caminho polido, tirei vรกrios picos dos ciprestes podados, pisei nas azaleias, amassei as tulipas, subi nos canteiros pisoteando as murtas com toda forรงa, escalei as pรฉrgolas e puxei os caramanchรตes, me transformei no vento forte que eu queria que aparecesse e me levasse embora.
O que mais chamava atenรงรฃo nesse jardim com certeza eram as rosas, parti enraivecido para cima de todas que encontrei, com elas destruรญdas, certamente alguรฉm viria e eu aproveitaria a oportunidade para fugir. Derrubei dezenas de vasos, as rosas caรญam aos montes pelo chรฃo, pisei nos ramos, arranquei pรฉtala por pรฉtala, rasgava e picava as folhas em milhares de pedaรงos, minha fรบria era tanta que nem percebi que enquanto atacava era tambรฉm golpeado, os espinhos furaram cada centรญmetro das minhas mรฃos, meus braรงos, pescoรงo e rosto foram cortados, o sangue manchava minhas roupas, caรญa nas rosas e pingava pelo caminho, mesmo depois de tudo isso nada aconteceu.

Eu estava ofegante, desesperado, cansado e sangrando tambรฉm, senti o gosto de sangue descer pela garganta, eu iria morrer naquele lugar, envenenado pelos espinhos das roseiras. Esgotado, olhei para a casa que nunca alcancei, nem saberia se estaria a salvo se chegasse atรฉ ela, jรก desorientado, caminhei lentamente atรฉ a fonte no centro, morreria, mas tinha feito um belo trabalho destruindo aquele jardim amaldiรงoado, entrei na fonte, manchei a รกgua lรญmpida com meu sangue, estendi minhas mรฃos atรฉ o chafariz, aparei a รกgua e bebi, os goles pareciam infinitos, como se fosse a รบltima vez que tomava o elixir da vida, tirei minhas vestes e me banhei na fonte com รกgua tingida de vermelho.
Meu corpo ficaria preso junto as estรกtuas para sempre, minha mente em devaneio pensava que talvez elas tivessem sido pessoas reais antes de tudo, desistiram de procurar uma saรญda e morreram. Como em um รบltimo ato de uma รณpera que termina em tragรฉdia, mergulhei esperei pelo meu fim, mas ao invรฉs de sentir a morte se aproximar, o que eu vi parecia ser um milagre, cristais emergiram e brilhavam na superfรญcie da รกgua, puxando o รบltimo ar de meus pulmรตes, me levantei, senti uma brisa leve a soprar e tocar meu rosto molhado, a lua pairava a cima da mansรฃo, ao olhar para a casa, todas as janelas estavam se abrindo, raios de uma luz extremamente branca emanavam do interior, duas grandes portas se abriram e diante delas uma passarela de mรกrmore ia surgindo, possuรญa  dezenas de metros e chegava atรฉ a fonte, atรฉ mim.
Nรฃo acreditava no que estava vendo, mesmo assim nรฃo pensei em mais nada a nรฃo ser levantar e ir em direรงรฃo a porta, me debrucei sobre o beiral, fiz uma forรงa sobre-humana para sair da fonte. Cambaleante, andei pela passagem e chegando enfim diante das portas abertas, entrei.

Eu estava ofegante, desesperado, cansado e agora sangrando tambรฉm, senti o gosto de sangue descer pela garganta, eu iria morrer nesse lugar, envenenado pelos espinhos das roseiras. Esgotado, olhei para a casa que nunca alcancei, nem saberia se me salvaria se chegasse atรฉ ela, jรก desorientado, caminhei lentamente atรฉ a fonte no centro, morreria, mas tinha feito um belo trabalho destruindo aquele maldito jardim, entrei na fonte, manchei a รกgua lรญmpida com meu sangue, estendi minhas mรฃo atรฉ o chafariz e aparei um pouco d’รกgua e bebi, goles infinitos de รกgua, como se fosse a รบltima vez que tomava o lรญquido dava a vida, tirei minhas vestes e me banhei na fonte, agora com a รกgua tingida de vermelho.

Como em รบltimo ato de uma รณpera que termina em tragรฉdia, esperei pelo meu fim, mas ao invรฉs de ver a morte se aproximar, o que eu vi parecia ser um milagre, senti uma brisa leve tocar meu rosto, a lua pairava em cima da mansรฃo, ao olhar para a casa, todas as suas janelas estavam se abrindo, no interior, luzes comeรงaram as surgir e como por puro encanto, duas grandes portas se abriram e diante delas uma passarela era feita instantaneamente e chegava atรฉ a fonte, atรฉ mim.

Nรฃo acreditava no que estava vendo, mas mesmo assim nรฃo pensei em mais nada a nรฃo ser levantar e ir em direรงรฃo a porta. Cambaleante, me debrucei sobre o beiral, fiz uma forรงa sobre-humana, saรญ da fonte e caminhei pela passagem, cheguei atรฉ as portas abertas e entrei.

O Jardim da Casa Desconhecida

Evelyn Veiga

2 de novembro de 2020

Dica de Leitura - Contos de Fadas Celtas

Em terras antigas, mรกgicas e povoadas por criaturas lendรกrias, os contos fantรกsticos floresceram em uma literatura rica e vasta. A Escรณcia, Irlanda e Inglaterra, entre outros paรญses, foram lar dos povos celtas e hoje abrigam os vestรญgios de uma civilizaรงรฃo com folclore abundante e extraordinรกrio. 

Nesta seleรงรฃo com 24 histรณrias completas organizada pela editora wish, os contos de fadas tradicionais e autorais sรฃo habitados por gigantes, dragรตes, druidas, aventureiros e donzelas encantadas, e escritos por grandes mestres da fantasia. Inclui prefรกcio do Prof. Alexander Meireles e ilustraรงรตes dos livros antigos. 
Contos desta ediรงรฃo: 
A histรณria de Deirdre Filhos de Lir 
O lobo-cinzento 
O Rei do deserto negro 
Lis Amarela 
Tam Lin 
A Floresta de Dooros 
O caรงador de focas e o sereiano 
A donzela do mar 
O gigante egoรญsta 
A tosa da lรฃ encantada 
O Dragรฃo Relutante 
O gatinho branco 
A dama da fonte (Mabinogion) 
O cavalo preto 
Os animais gratos 
As mulheres chifrudas 
As trรชs coroas 
O violino de nove centavos 
A Caverna Encantada 
A visรฃo de Mac­Conglinney Nucke­lavee 
Princesa Finola e o anรฃo Oisin na Terra da Juventude 
A Princesa Leve