10 de outubro de 2018

Edgar Allan Poe - Poemas

1 - O Corvo  (The Raven)
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á… nunca mais!
– Tradução de Fernando Pessoa
2 – Annabel Lee
“Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim ‘stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.”
–  Tradução de Fernando Pessoa
3 – Sozinho (Alone)
Nos tempos de infância nunca vi
Como os outros — nunca vivi
Como os outros — nem pude pegar
Paixões de uma fonte vulgar –
Dela nunca pude revolver
Minha tristeza — nem comover
Meu coração no mesmo caminho –
E tudo que amei — amei sozinho –
4 – Demônio da Perversidade (Imp of the Perverse)
“Não há na natureza paixão mais diabolicamente impaciente como a daquele que, tremendo à beira dum precipício, pensa dessa forma em nele se lançar. Deter-se, um instante que seja, em qualquer concessão a essa ideia é estar inevitavelmente perdido, pois a reflexão nos ordena que fujamos sem demora e, portanto, digo-o, é isto mesmo que não podemos fazer. Se não houver um braço amigo que nos detenha, ou se não conseguirmos, com súbito esforço recuar da beira do abismo, nele nos atiraremos e destruídos estaremos. Examinando ações semelhantes, como fazemos, descobriremos que elas resultam tão-somente do espírito de Perversidade. Nós as cometemos porque sentimos que não deveríamos fazê-lo.”
5  – O Coração Denunciador (The Tell-tale heart)
“Ouvi todas as coisas no céu e na terra. Ouvi muitas coisas no inferno. Como então posso estar louco?” […] 
“Eles estavam zombando do meu horror! — Assim pensei e assim penso. Mas qualquer coisa seria melhor do que essa agonia! Qualquer coisa seria mais tolerável do que esse escárnio. Eu não poderia suportar por mais tempo aqueles sorrisos hipócritas! Senti que precisava gritar ou morrer! — e agora — de novo — ouça! mais alto! mais alto! mais alto! mais alto!
— Miseráveis! — berrei — Não disfarcem mais! Admito o que fiz! – levantem as tábuas! — aqui, aqui! — são as batidas deste horrendo coração!”
6 – William Wilson
“Era Wilson, mas Wilson sem mais sussurrar agora as palavras, tanto que teria sido possível acreditar que eu próprio falava, quando ele me disse:
– Venceste e eu me rendo. Mas, de agora em diante, também estás morto… morto para o Mundo, para o Céu e para a Esperança! Em mim tu existias… e vê em minha morte, vê por esta imagem, que é a tua, como assassinaste absolutamente a ti mesmo.”
7 – O Enterro Prematuro
“Há momentos em que, mesmo aos olhos serenos da razão, o mundo de nossa triste Humanidade pode assumir o aspecto de um inferno, mas a imaginação do homem não é Carathis para explorar impunemente todas as suas cavernas. Ah! A horrenda região dos terrores sepulcrais não pode ser olhada de modo tão completamente fantástico, mas, como os Demônios em cuja companhia Afrasiab fez sua viagem até o Oxus, eles devem dormir ou nos devorarão, devem ser mergulhados no sono ou nós pereceremos.”
8 – A Queda da Casa de Usher
“Durante todo um dia pesado, escuro e mudo de outono, em que nuvens baixas amontoavam-se opressivamente no céu, eu percorri a cavalo um trecho de campo singularmente triste, e finalmente me encontrei, quando as sombras da noite se avizinhavam, à vista da melancólica Casa de Usher. Não sei como foi – mas, ao primeiro olhar que lancei ao edifício, uma sensação de insuportável angústia invadiu o meu espírito. Digo insuportável, pois tal sensação não foi aliviada por nada desse sentimento quase agradável na sua poesia, com o qual a mente ordinariamente acolhe mesmo as imagens mais cruéis por sua desolação e seu horror.”
09 – Berenice
“Desviei involuntariamente a vista daquele olhar vítreo para olhar-lhe os lábios delgados e contraídos. Entreabriram-se e, num sorriso bem significativo, os dentes da Berenice transformada se foram lentamente mostrando. Prouvera a Deus que eu nunca os tivesse visto, tendo-os visto, tivesse morrido! […] Os dentes!. . . Os dentes! Estavam aqui e ali e por toda parte, visíveis, palpáveis. Diante de mim. Compridos, estreitos e excessivamente brancos, com os pálidos lábios contraídos sobre eles, como no instante mesmo do seu primeiro e terrível crescimento. Então desencadeou-se a plena fúria minha monomania e em vão lutei contra sua estranha e irresistível influência. Nos múltiplos objetos do mundo exterior, só pensava naqueles dentes. Queria-os com frenético desejo. Todos os assuntos e todos os interesses diversos foram absorvidos por aquela exclusiva contemplação.”
10 – Um sonho dentro de um sonho (A Dream within a Dream)
TAMERLÃO

Doce consolação nesta hora extrema! 
Tal, Padre, agora não será meu tema... 
Não direi loucamente que um poder 
terreno me liberte do pecado 
sôbre-humano de orgulho, em mim a arder. 
O tempo de sonhar é já passado: 
Dizes que isso é esperança; e a desvairada 
chama é só a agonia de um anseio! 
Se creio na Esperança... Ó Deus! Bem creio... 
Sua fonte é mais divina, mais sagrada... 
Ancião louco eu não quero te chamar, 
mas isso é coisa que não podes dar. 

Conheces de um espírito o segrêdo, 
da soberba atirado em plena lama? 
Herdei, ó coração a palpitar, 
teu quinhão de desprêzo, com a fama, 
a glória consumida, a cintilar 
de meu trono entre as jóias, qual coroa 
infernal. Porque dor alguma o inferno 
pode agora trazer, que me dê mêdo. 
E anseias pelas flores, coração, 
e pelo sol das horas de verão! 
Dêsse tempo defunto o canto eterno, 
com seu soluço intérmino, reboa, 
em teu vazio, nos sons enfeitiçados 
de um dobre doloroso de finados. 

Do que hoje sou, já fui bem diferente. 
Usurpador, obtive, conquistei 
o diadema que cinge a fronte ardente. 
Roma e César não deu a mesma ousada 
herança, que me estava reservada? 
A herança de um espírito de rei, 
para lutar, espírito altaneiro, 
triunfalmente, contra o mundo inteiro. 

Em região montanhosa ao mundo vim. 
As brumas de Taglay pulverizavam, 
à noite, o seu orvalho sôbre mim, 
e acredito que as asas, em violentos 
tumultos, e as tormentas, e os mil ventos, 
em meus próprios cabelos se aninhavam. 

Êsse orvalho, depos, do céu tombando 
(entre noites de sonhos condenados) 
era um toque de inferno sôbre mim, 
enquanto rubras luzes, cintilando 
em nuvens, que oscilavam quais pendões, 
pareciam-me, aos olhos malcerrados, 
do poder régio as predestinações, 
e dos trovões profundos o clarim 
sôbre mim se atirava, proclamando 
que, em humanas batalhas, estentórea 
– criança louca! – a minha voz bradava 
(como minha ala se regozijava 
e ante êsse grito o coração saltava!) 
o grito de combate da Vitória! 

Na fronte sem abrigo se esparzia 
a chuva rude, e o vento me tornava 
desatinado, cego, ensurdecido. 
Era apenas um ente que lançava 
louros em mim, pensava então, e a fria 
fúria do ar fustigante, a meus ouvidos 
cantava a evocação de destroçados 
impérios, o clamor dos capturados, 
o rumor dos cortejos, a canção 
com que aos tronos rodeia a adulação. 

Minhas paixões, desde êsse infausto dia, 
sôbre mim exerceram tirania 
tamanha, que, somente com o poder, 
se pôde o meu caráter conhecer. 
Mas, Padre, então, ali vivia alguém... 
então... na juventude... quando a chama 
das paixões mais se alteia e mais se inflama 
(porque paixões só a juventude tem), 
alguém que soube ver, no peito de aço, 
de uma fraqueza feminil o traço. 

Não tenho têrmos... ai... para dizer 
o quanto é doce o verdadeiro amor! 
Nem tentarei agora descrever 
dessa face lindíssima o primor, 
pois seus contornos são, na minha mente, 
sombras que ao vento vão, volùvelmente. 
Recordo ter-me outrora debruçado 
sôbre folhas de ciência do Passado, 
até que cada letra, tão fitada, 
e cada têrmo se desvanecesse 
e seu próprio sentido se perdesse 
em fantasias e, por fim, em nada. 

Ah! todo o amor bem elas merecia 
e era o meu afeto qual de criança. 
Razão tinham os anjos de a invejar. 
Seu jovem coração era um altar 
em que meus pensamentos e a esperança 
eram o incenso, a oferta que subia 
com pureza infantil, imaculada, 
de seu jovem modêlo copiada. 
Por que os abandonei, pela paixão 
da luz, que inflama e empolga o coração? 

Crescemos... e conosco o amor crescia... 
vagueando na floresta e nos desertos. 
Na tormenta meu peito a protegia 
e quando, amiga, a luz do sol sorria. 
E se ela contemplava os céus abertos, 
sòmente em seu olhar os céus eu via. 

A primeira lição do amor nascente 
está no coração, pois, sob o ardente 
sol, vendo êsses sorrisos sem cuidados, 
rindo de seus brinquedos estouvados, 
eu me lançava no seu seio arfante 
e em lágrimas minha alma se expandia. 
Ah! dizer mais eu não precisaria, 
nem acalmar temores vãos, perante 
quem ficava, sem nada perguntar, 
voltando para mim o quieto olhar. 

E embora merecesse mais que o amor, 
a minha alma impaciente se exaltava 
quando, num cume de montanha, a sós, 
a ambição lhe falava em nova voz. 
Todo o meu ser só nela consistia;
o mundo e tudo quanto êle encerrava, 
na terra, no ar, nos mares, a alegria, 
os quinhões pequeníssimos de dor, 
que eram nôvo prazer, os ideais, 
noturnos sonhos de vaidade impura, 
e as coisas mais sombrias, porque reais 
(as sombras... e uma luz bem mais obscura!) 
nas asas do nevoeiro se evolavam 
e assim confusamente se tornavam 
numa imagem, num nome... um nome... duas 
coisas, unificadas, porque tuas. 

Eu era ambicioso. Já tiveste 
paixões, Padre? Não! Não as conheceste! 
Um trono para mim, filho do lôdo, 
que o mundo dominasse quase todo, 
sonhei, a maldizer a minha sorte. 
Mas, como todo sonho, também êste, 
sob o vapor do orvalho, voaria, 
não viesse da beleza o brilho forte 
que o cumulava, ainda que, se tanto, 
por um minuto, por uma hora, um dia 
pesar-me na alma com dobrado encanto. 

E passeávamos juntos, pela crista 
de elevada montanha, donde a vista 
caía, dos penhascos escarpados 
e altivos, das florestas, nos outeiros 
esparsos, de bosquetes coroados, 
rumorejando com seus mil ribeiros. 
Falava de poder e de vaidade, 
porém mìsticamente, que a verdade 
a ela eu não queria revelar 
no que dizia; e então, em seu olhar, 
talvez eu lesse, descuidadamente, 
um sentimento, do meu próprio irmão. 
O brilho de suas faces parecia, 
para mim, transformar-se em refulgente 
trono; e eu consentir não poderia 
que elas brilhassem só na solidão. 

De grandezas então eu me envolvia 
tomando uma fantástica coroa; 
e não era, contudo, a Fantasia 
que seu manto viera em mim lançar. 
E se entre a humanidade, a turba alvar, 
é o leão da ambição, que se agrilhoa, 
entregue à mão de um domador que o mande, 
não é assim no deserto; lá, o que é grande 
conspira com o terrível e o sem-par 
para as almas com o sôpro incendiar. 

Contempla Samarkand! Contempla-a agora! 
Não é rainha da terra e se alcandora 
sôbre as cidades tôdas? Não lhes traz 
os destinos na mão? E não desfaz, 
solitária e fidalga, tudo quanto 
de glória e fama neste mundo medra? 
Se cair, sua mais humilde pedra 
há de formar de um trono o pedestal. 
Quem é seu soberano? Tamerlão. 
Êsse que os povos viram, com espanto, 
subir, calcando aos pés cada nação, 
um bandido com a coroa real! 

Ó amor humano! Tu, que dás, no mundo, 
o que esperamos vir do céu profundo; 
que cais na alma, qual chuva abençoada 
sôbre a planície adusta e calcinada; 
e, não podendo dar ventura, fazes 
do coração deserto sem oásis; 
tu, idéia que tôda a vida encerra 
em música de sons tão singulares 
e belos, que na selva têm seus lares, 
adeus! adeus! pois conquistei a Terra! 

Quando a Esperança, essa águia da amplidão, 
os altos cimos já não mais avista, 
suas asas se curvam, de mansinho, 
e o olhar se volta, doce, para o ninho. 
Era o sol-pôr; e quando o sol declina 
um desespêro sobe ao coração 
de quem ainda quisera ter à vista 
o esplendor estival da luz solar. 
A alma aspira a bruma vespertina, 
tão cariciosa, atenta a perceber 
o som da treva (ouvido sempre pelos 
que sabem dar-lhe ouvido) a se arrastar, 
como quem quer, em meio a pesadelos, 
fugir de algum perigo, sem poder. 

Que importa brilhe a lua, a lua fria
com seu fulgor mais lúcido e mais forte? 
Seu sorriso e seu brilho são gelados, 
naquelas horas de melancolia, 
como um retrato feito após a morte 
(vendo-o, nem respiramos, assustados). 
E a juventude é como um sol de estio, 
cujo poente é o mais triste, porque então 
já nada mais ignora o coração 
e o que guardar quisemos no fugiu. 
Pareça a vida, pois, qual flor de um dia, 
com a beleza que, esplêndida, irradia. 

Voltei para o meu lar, não mais meu lar,
pois tudo o que fazia assim se fora.
Penetrei no musgoso umbral e embora
fôsse meu passo lento e comedido
veio uma voz da pedra do limiar,
a voz de alguém que u conhecera outrora.
Oh! desafio o inferno a que apresente,
nos seus leitos de fogo, mais ferido
coração, ou desgraça mais pungente!

Eu creio, Padre, eu firmemente creio, 
e bem sei – pois a morte, que me veio 
da longínqua região abençoada
onde não mais existem ilusões, 
vai entreabrindo os rígidos portões 
e cintilam os raios da verdade,
que não vês, através da Eternidade... 
Sim, eu creio que Eblis pôsto havia 
sua armadilha, sob a humana estrada. 
E se não, por que, quando eu me perdia 
no bosque santo dêsse ídolo, o Amor, 
de asas de eneve sempre perfumadas 
com o incenso das ofertas mais sagradas, 
no bosque iluminado intensamente 
pelos raios do céu, nesse bosque onde 
nenhum ser, por mais ínfimo, se esconde 
a seu olhar de águia, abrasador, 
por que, então, a ambição se insinuou, 
sem ser vista, entre os sonhos, a crescer, 
até lançar-se, a rir, ousadamente, 
nas madeixas do Amor, do próprio Amor?
UM SONHO

SONHEI, entre visões da noite escura,
com a alegria morta, mas meu sonho
de vida e luz me despertou, tristonho,
com o coração partido de amargura.

Ah! que não vale um sonho à luz do dia
para aquêle que os olhos traz cravados
nas coisas que o rodeiam e os desvia
para tempos passados?

Aquêle santo sonho, sonho santo,
enquanto o mundo repelia o pária,
deu-me o confôrto, como luz de encanto
a conduzir uma alma solitária.

E embora a luz, por entre a tempestade
e a noite, assim tremesse, tão distante,
que poderia haver de mais brilhante
no claro sol da estrela da Verdade?


9 de outubro de 2018

Lord Byron - Poemas

POEMAS - LORD BYRON
Nome influente no romantismo britânico, Lord Byron inspirou diversos escritores, inclusive no Brasil. 

O escritor londrino nasceu em 1788 e escreveu importantes obras, como “Peregrinação de Child Harold” e “Don Juan”. As obras de Byron costumam ser consideradas autobiográficas, o que aproximava o autor e o público, ele recebia, inclusive, cartas de fãs. 

Tão importante quando o texto, a imagem de Byron era reproduzida em larga escala, o que tornou o escritor muito conhecido. Fazia sucesso principalmente entre as mulheres, que o viam como um herói romântico. 

A preocupação de Lord Byron com a própria imagem era tão grande, que ordenava que as pinturas o mostrassem como um homem com feições definidas e corpo em forma.

Talvez considerasse assim todos os homens, pois nunca escondeu sua paixão por animais, chegando a declarar: “quanto mais conheço os homens, mais quero a meu cachorro”.  “Boaswain” foi o nome de seu cachorro preferido, o qual gostava tanto que, após a morte do animal, dedicou-lhe os seguintes versos: "Aqui repousam os restos de uma criatura que foi bela sem vaidade forte sem insolência valente sem ferocidade e teve todas as virtudes do homem e nenhum dos seus defeitos" Conta-se também sobre Byron que nasceu com uma deformidade no pé direito. Seus dedos eram voltados para dentro, o que lhe dificultava muitas tarefas.

Seu pai lhe disse que nunca andaria direito, muito menos correria. Mas Lord Byron nunca se rendeu. Já adulto, seu jeito de andar aliado à personalidade colérica lhe deram uma forma única de caminhar, considerada muito elegante (e sim, chegou a correr). Ele nunca sentiu vergonha desta enfermidade, até pelo contrário. Quando as pessoas debochavam de seu pé, Byron se enchia de orgulho e respondia: “Quando um membro se debilita, sempre há outro que o compensa”. O poeta faleceu em 19 de abril de 1824, na cidade de Missolonghi. Lutava ao lado dos gregos pela independência, contra a opressão turca. Os registros apontam apenas que a causa da morte foi uma uremia, com complicações após uma febre reumática.


AS TREVAS  (TRADUZIDO DE LORD BYRON)

A meu amigo, o DR. Franco Meireles,
inspirado tradutor das "Melodias Hebraicas".

Tive um sonho que em tudo não foi sonho!...

O sol brilhante se apagava: e os astros,
Do eterno espaço na penumbra escura,
Sem raios, e sem trilhos, vagueavam.
A terra fria balouçava cega
E tétrica no espaço ermo de lua.
A manhã ia, vinha... e regressava...
Mas não trazia o dia! Os homens pasmos
Esqueciam no horror dessas ruínas
Suas paixões: E as almas conglobadas
Gelavam-se num grito de egoísmo
Que demandava "luz". Junto às fogueiras
Abrigavam-se. . . e os tronos e os palácios,
Os palácios dos reis, o albergue e a choça
Ardiam por fanais. Tinham nas chamas
As cidades morrido. Em torno às brasas
Dos seus lares os homens se grupavam,
Pra à vez extrema se fitarem juntos.
Feliz de quem vivia junto às lavas
Dos vulcões sob a tocha alcantilada!

Hórrida esperança acalentava o mundo!
As florestas ardiam! ... de hora em hora
Caindo seapagavam; crepitando,
Lascado o tronco desabava em cinzas.
E tudo... tudo as trevas envolviam.
As frontesão clarão da luz doente
Tinham do inferno o aspecto... quando às vezes
As faíscas das chamas borrifavam-nas.
Uns, de bruços no chão, tapando os olhos
Choravam. Sobre as mãos cruzadas — outros —
Firmando a barba, desvairados riam.
Outros correndo à toa procuravam
O ardente pasto pra funéreas piras.
Inquietos, no esgar do desvario,
Os olhos levantavam pra o céu torvo,
Vasto sudário do universo — espectro —,
E após em terra se atirando em raivas,
Rangendo os dentes, blasfemos, uivavam!

Lúgubre grito os pássaros selvagens
Soltavam, revoando espavoridos
Num voo tonto coas inúteis asas!
As feras estavam mansas e medrosas!
As víboras rojando se roscavam
Pelos membros dos homens, sibilantes,
Mas sem veneno... a fome lhes matavam!
E a guerra, que um momento s’extinguira,
De novo se fartava. Só com sangue
Comprava-se o alimento, e após à parte
Cada um se sentava taciturno,
Pra fartar-se nas trevas infinitas!
Já não havia amor! ... O mundo inteiro
Era um só pensamento, e o pensamento
Era a morte sem glória e sem detença!
O estertor da fome apascentava-se
Nas entranhas ... Ossada ou carne pútrida
Ressupino, insepulto era o cadáver.

Mordiam-se entre si os moribundos
Mesmo os cães se atiravam sobre os donos,
Todos exceto um só... que defendia
O cadáver do seu, contra os ataques
Dos pássaros, das feras e dos homens,
Até que a fome os extinguisse, ou fossem
Os dentes frouxos saciar algures!
Ele mesmo alimento não buscava ...
Mas, gemendo num uivo longo e triste,
Morreu lambendo a mão, que inanimada
Já não podia lhe pagar o afeto.

Faminta a multidão morrera aos poucos.
Escaparam dous homens tão-somente
De uma grande cidade. E se odiavam.
... Foi junto dos tições quase apagados
De um altar, sobre o qual se amontoaram
Sacros objetos pra um profano uso,
Que encontraram-se os dous... e, as cinzas mornas
Reunindo nas mãos frias de espectros,
De seus sopros exaustos ao bafejo
Uma chama irrisória produziram! ...
Ao clarão que tremia sobre as cinzas
Olharam-se e morreram dando um grito.
Mesmo da própria hediondez morreram,
Desconhecendo aquele em cuja fronte
Traçara a fome o nome de Duende!

O mundo fez-se um vácuo. A terra esplêndida,
Populosa tornou-se numa massa
Sem estações, sem árvores, sem erva.
Sem verdura, sem homens e sem vida,
Caos de morte, inanimada argila!
Calaram-se o Oceano, o rio, os lagos!
Nada turbava a solidão profunda!
Os navios no mar apodreciam
Sem marujos! os mastros desabando
Dormiam sobre o abismo, sem que ao menos
Uma vaga na queda alevantassem,
Tinham morrido as vagas! e jaziam
As marés no seu túmulo... antes delas
A lua que as guiava era já morta!
No estagnado céu murchara o vento;
Esvaíram-se as nuvens. E nas trevas
Era só trevas o universo inteiro.

Uma taça feita de um crânio humano 

(Tradução de Castro Alves)

Não recues! De mim não foi-se o espírito… 

Em mim verás – pobre caveira fria –

Único crânio que, ao invés dos vivos, 

Só derrama alegria.


Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte

Arrancaram da terra os ossos meus.

Não me insultes! empina-me!… que a larva

Tem beijos mais sombrios do que os teus.

 

Mais vale guardar o sumo da parreira

Do que ao verme do chão ser pasto vil;

– Taça – levar dos Deuses a bebida,

Que o pasto do réptil.


Que este vaso, onde o espírito brilhava,

Vá nos outros o espírito acender.

Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro

…Podeis de vinho o encher!


Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça,

Quando tu e os teus fordes nos fossos,

Pode do abraço te livrar da terra,

E ébria folgando profanar teus ossos.


E por que não? Se no correr da vida

Tanto mal, tanta dor ai repousa?

É bom fugindo à podridão do lado

Servir na morte enfim p’ra alguma coisa!

Trevas 

(Tradução de Castro Alves)

 

Eu tive um sonho que não era em todo um sonho

O sol esplêndido extinguira-se, e as estrelas

Vagueavam escuras pelo espaço eterno,

Sem raios nem roteiro, e a enregelada terra

Girava cega e negrejante no ar sem lua;

Veio e foi-se a manhã – Veio e não trouxe o dia;

E os homens esqueceram as paixões, no horror

Dessa desolação; e os corações esfriaram

Numa prece egoísta que implorava luz:

E eles viviam ao redor do fogo; e os tronos,

Os palácios dos reis coroados, as cabanas,

As moradas, enfim, do gênero que fosse,

Em chamas davam luz; As cidades consumiam-se

E os homens juntavam-se junto às casas ígneas

Para ainda uma vez olhar o rosto um do outro;

Felizes enquanto residiam bem à vista

Dos vulcões e de sua tocha montanhosa;

Expectativa apavorada era a do mundo;

Queimavam-se as florestas – mas de hora em hora

Tombavam, desfaziam-se – e, estralando, os troncos

Findavam num estrondo – e tudo era negror.

À luz desesperante a fronte dos humanos

Tinha um aspecto não terreno, se espasmódicos

Neles batiam os clarões; alguns, por terra,

Escondiam chorando os olhos; apoiavam

Outros o queixo às mãos fechadas, e sorriam;

Muitos corriam para cá e para lá,

Alimentando a pira, e a vista levantavam

Com doida inquietação para o trevoso céu,

A mortalha de um mundo extinto; e então de novo

Com maldições olhavam para a poeira, e uivavam,

Rangendo os dentes; e aves bravas davam gritos

E cheias de terror voejavam junto ao solo,

Batendo asas inúteis; as mais rudes feras

Chagavam mansas e a tremer; rojavam víboras,

E entrelaçavam-se por entre a multidão,

Silvando, mas sem presas – e eram devoradas.

E fartava-se a Guerra que cessara um tempo,

E qualquer refeição comprava-se com sangue;

E cada um sentava-se isolado e torvo,

Empanturrando-se no escuro; o amor findara;

A terra era uma idéia só – e era a de morte

Imediata e inglória; e se cevava o mal

Da fome em todas as entranhas; e morriam

Os homens, insepultos sua carne e ossos;

Os magros pelos magros eram devorados,

Os cães salteavam seus donos, exceto um,

Que se mantinha fiel a um corpo, e conservava

Em guarda as bestas e aves e famintos homens,

Até a fome os levar, ou os que caíam mortos

Atraírem seus dentes; ele não comia,

Mas com um gemido comovente e longo, e um grito

Rápido e desolado, e relambendo a mão

Que já não o agradava em paga – ele morreu.

Finou-se a multidão de fome, aos poucos; dois,

Dois inimigos que vieram a encontrar-se

Junto às brasas agonizantes de um altar

Onde se haviam empilhado coisas santas

Para um uso profano; eles a resolveram

E trêmulos rasparam, com as mãos esqueléticas,

As débeis cinzas, e com um débil assoprar

E para viver um nada, ergueram uma chama

Que não passava de arremedo; então alçaram

Os olhos quando ela se fez mais viva, e espiaram

O rosto um do outro – ao ver gritaram e morreram

– Morreram de sua própria e mútua hediondez,

– Sem um reconhecer o outro em cuja fronte

Grafara o nome “Diabo”. O mundo se esvaziara,

O populoso e forte era uma informe massa,

Sem estações nem árvore, erva, homem, vida,

Massa informe de morte – um caos de argila dura.

Pararam lagos, rios, oceanos: nada

Mexia em suas profundezas silenciosas;

Sem marujos, no mar as naus apodreciam,

Caindo os mastros aos pedaços; e, ao caírem,

Dormiam nos abismos sem fazer mareta,

mortas as ondas, e as marés na sepultura,

Que já findara sua lua senhoril.

Os ventos feneceram no ar inerte, e as nuvens

Tiveram fim; a escuridão não precisava

De seu auxílio – as trevas eram o Universo.

O Oceano 

(Tradução de Castro Alves)

Rola, Oceano profundo e azul sombrio, rola!

Caminham dez mil frotas sobre ti, em vão;

de ruínas o homem marca a terra, mas se evola

na praia o seu domínio. Na úmida extensão

só tu causas naufrágios; não, da destruição

feita pelo homem sombra alguma se mantém,

exceto se, gota de chuva, ele também

se afunda a borbulhar com seu gemido,

sem féretro, sem túmulo, desconhecido.

 

Do passo do há traços em teus caminhos,

nem são presas em teus campos. Ergues-te e o sacodes

de ti; desprezas os poderes tão mesquinhos

que usa para assolar a terra, já que podes

de teu seio atirá-lo aos céus; assim o lanças

tremendo uivando em teus borrifos escarninhos

rumo a seus deuses – nos quais firma as esperanças

de achar um portou angra próxima, talvez –

e o devolves á terra: – jaza aí, de vez.

 

Os armamentos que fulminam as muralhas

das cidades de pedra – e tremem as nações

ante eles, como os reis em suas capitais – ,

os leviatãs de roble, cujas proporções

levam o seu criador de barro a se apontar

como Senhor do Oceano e árbitro das batalhas,

fundem-se todos nessas ondas tão fatais

para a orgulhosa Armada ou para Trafalgar.

 

Tuas bordas são reinos, mas o tempo os traga:

Grécia, Roma, Catargo, Assíria, onde é que estão?

Quando outrora eram livres tu as devastavas,

e tiranos copiaram-te, a partir de então;

manda o estrangeiro em praias rudes ou escravas;

reinos secaram-se em desertos, nesse espaço,

mas tu não mudas, salvo no florear da vaga;

em tua fronte azul o tempo não põe traço;

como és agora, viu-te a aurora da criação.


Tu, espelho glorioso, onde no temporal

reflete sua imagem Deus onipotente;

calmo ou convulso, quando há brisa ou vendaval,

quer a gelar o pólo, quer em cima ardente

a ondear sombrio, – tu és sublime e sem final,

cópia da eternidade, trono do Invisível;

os monstros dos abismos nascem do teu lodo;

insondável, sozinho avanças, és terrível.

 

Amei-te, Oceano! Em meus folguedos juvenis

ir levado em teu peito, como tua espuma,

era um prazer; desde meus tempos infantis

divertir-me com as ondas dava-me alegria;

quando, porém, ao refrescar-se o mar, alguma

de tuas vagas de causar pavor se erguia,

sendo eu teu filho esse pavor me seduzia

e era agradável: nessas ondas eu confiava e,

como agora, a tua juba eu alisava.

Estancias para a música

Alegria não há que o mundo dê, como a que tira. 

Quando, do pensamento de antes, a paixão expira 

Na triste decadência do sentir; 

Não é na jovem face apenas o rubor 

Que esmaia rápido, porém do pensamento a flor 

Vai-se antes de que a própria juventude possa ir. 

Alguns cuja alma boia no naufrágio da ventura 

Aos escolhos da culpa ou mar do excesso são levados; 

O ímã da rota foi-se, ou só e em vão aponta a obscura 

Praia que nunca atingirão os panos lacerados. 

Então, frio mortal da alma, como a noite desce; 

Não sente ela a dor de outrem, nem a sua ousa sonhar;

toda a fonte do pranto, o frio a veio enregelar;

Brilham ainda os olhos: é o gelo que aparece. 

Dos lábios flua o espírito, e a alegria o peito invada, 

Na meia-noite já sem esperança de repouso: 

É como na hera em torno de uma torre já arruinada, 

Verde por fora, e fresca, mas por baixo cinza anoso. 

Pudesse eu me sentir ou ser como em horas passadas, 

Ou como outrora sobre cenas idas chorar tanto;

Parecem doces no deserto as fontes, se salgadas: 

No ermo da vida assim seria para mim o pranto.

A Inês

Não me sorrias à sombria fronte, 

Ai! sorrir eu não posso novamente: 

Que o céu afaste o que tu chorarias 

E em vão talvez chorasses, tão somente.

E perguntas que dor trago secreta,
A roer minha alegria e juventude?
E em vão procuras conhecer-me a angústia
Que nem tu tornarias menos rude?

Não é o amor, não é nem mesmo o ódio,
Nem de baixa ambição honras perdidas,
Que me fazem opor-me ao meu estado
E evadir-me das coisas mais queridas.

De tudo o que eu encontro, escuto, ou vejo,
É esse tédio que deriva, e quanto!
Não, a Beleza não me dá prazer,
Teus olhos para mim mal têm encanto.

Esta tristeza imóvel e sem fim
É a do judeu errante e fabuloso
Que não verá além da sepultura
E em vida não terá nenhum repouso.

Que exilado – de si pode fugir?
Mesmo nas zonas mais e mais distantes,
Sempre me caça a praga da existência,
O Pensamento, que é um demônio, antes.

Mas os outros parecem transportar-se
De prazer e, o que eu deixo, apreciar;
Possam sempre sonhar com esses arroubos
E como acordo nunca despertar!

Por muitos climas o meu fado é ir-me,
Ir-se com um recordar amaldiçoado;
Meu consolo é saber que ocorra embora
O que ocorrer, o pior já me foi dado.
 

Qual foi esse pior? Não me perguntes,
Não pesquises por que é que consterno!
Sorri! não sofras risco em desvendar
O coração de um homem: dentro é o Inferno.

Não, a Beleza não me dá prazer,
Teus olhos para mim mal têm encanto.