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27 de dezembro de 2018

Robert Browning

Poeta inglês nascido em Londres, cujo talento só foi reconhecimento postumamente e produziu uma obra baseada na convicção de que a arte tinha valor superior, como expressão mais pura da emoção humana, e de que a tarefa do artista seria unir o ideal ao real. De família rica, estudou para a carreira diplomática mas desistiu para se dedicar apenas à literatura. Casou-se com a poetisa Elizabeth Barrett e mudou-se para a Itália (1846), onde passou grande parte da vida, morrendo em Veneza. Entre suas principais obras citam-se Pauline: A Fragment of a Confession (1833), Paracelsus (1835), Sordello (1840), a série Bells and Pomegranates (1841-1846) e a mais famosa, The Ring and the Book (1868-1869). Entre seus poemas mais conhecidos está o que inspirou Stephen King a escrever a saga “The Dark Tower” (A Torre Negra), “Childe Roland à Torre Negra Chegou”. O título faz menção às ultimas palavras do poema, além de ser uma passagem da peça “O Rei Lear” do também dramaturgo inglês, William Shakespeare. Segue abaixo o poema completo com tradução de Fabiano Morais:
Childe Roland à Torre Negra chegou 
Robert Browning

I
Primeiro pensei: ele mentiu a cada sentença
O coxo encanecido, com olhos cheios de malícia
Ávidos por ver nos meus de sua mentira a perícia
E com a boca sem conter a alegria intensa
Que repuxava seus cantos na crença
De que o predador outra vez se sacia.
II
Qual outro seria o intuito, com seu cajado?
Qual senão emboscar e laçar os andarilhos
Que porventura o encontram pelos trilhos
E vêm pedir direção? Que risada má eu teria escutado,
quem deixaria meu epitáfio marcado
por diversão nos terrosos caminhos,
III
Se ao seu conselho eu devesse me desviar
Para aquele curso sinistro que, é sabido,
Esconde a Torre Negra? Porém eu, de boa-fé imbuído,
Tomei o indicado caminho, sem orgulho demonstrar
Nem esperança rediviva ao ver o fim se aproximar,
Mas sim gratidão pela idéia de algum fim existir.
IV
Pois, se depois de o mundo todo vagar
Se na minha busca ano a ano estendida
Minha esperança tornou-se uma sombra encardida
E incapaz de com o gozo ruidoso da vitória lidar,
A festa no meu coração eu mal pude refrear
Quando este entreviu a batalha perdida.
V
Assim como um doente à beira da morte
Já parece morto, e pressente o pranto fatal,
e recebe de todos a despedida amical,
E escuta ao longe a saída de outro consorte
Para respirar lá fora, (não se muda a sorte,
ele diz, e o pesar não se alivia com o golpe final)
VI
Enquanto outros debatem junto às covas
Se há espaço para o caixão e que hora
É a mais apropriada para levá-lo embora,
Sem esquecer dos estandartes, hinos e estolas,
O homem ouve cada uma dessas estórias
E, respeitando tanta candura, quer partir sem demora.
VII
Assim, já sofro há tanto nessa jornada
Já ouvi do fracasso o vaticínio e a confirmação
Para tantos e tantos companheiros da Afiliação
de cavaleiros que da Torre Negra atendem a chamada,
Que falhar como eles me pareceu a coisa acertada
E a única dúvida era: não seria essa minha função?
VIII
Tão quieto quanto o desespero eu dei as costas
àquele coxo odioso, abandonando sua via
e adentrando o caminho apontado. Todo o dia
havia sido lúgubre, e as sombras, sobrepostas,
fechavam-se a minha volta, mas uma olhadela torta,
rubra e carrancuda, ele lançou à planície todavia.
IX
Por Deus! Logo assim que me encontrei
Jurado à planície, após não mais que uma passada,
Parei para um último olhar à segurança da estrada
E nada mais havia, só a planura cinza avistei
Nada senão a vastidão sob o céu do astro rei.
Sem mais a fazer, decidi seguir caminhada.
X
Assim, fui adiante. E creio nunca ter visto
Natureza tão miserável e ignóbil, onde nada medra:
Pois as flores – ou mesmo um cedro entre a pedra,
Embora murchando como pela sua lei previsto,
Mesmo no abandono perduram, pensaria você;
Descobrem-se tesouros quando a casca quebra.
XI
Mas não! Penúria, feiúra, inércia
Em condição estranha está essa parte da terra
“Veja, ou feche os olhos”, a Natureza berra
“Não há escapatória: ela é de todo néscia,
Só o fogo do Julgamento Final trará a panacéia,
Calcinando o chão e livrando os presos que ele cerra.”
XII
Se havia ali alguma ressequida haste de cardo,
Seus colegas não se achavam, e o talo estava decepado.
O que fez aqueles buracos e rasgos no folhado
escuro e duro da bardana, tão machucado
que era impossível pensá-lo regenerado?
Era preciso que um bruto as tivesse pisoteado.
XIII
Quanto à relva, era como o cabelo escasso
Dos leprosos; magras lâminas secas na lama
Que parecia ter por baixo uma sangüínea trama.
Um cavalo cego e rijo, ossos à vista, lasso,
Parava ali, estúpido; havia chegado àquele pedaço:
Rebento que o garanhão do diabo não reclama!
XIV
Vivo? A meu ver poderia muito bem já ter partido,
Com seu pescoço rubro, descarnado e macilento.
E os olhos fechados por sob o pêlo bolorento;
Nunca o grotesco andou à desgraça tão unido;
E jamais senti por criatura ódio tão ardido:
Ele deve ser mau para merecer tal sofrimento.
XV
Fecho meus olhos, e os volto para o meu coração,
Como um homem que pede vinho antes de lutar,
Visão mais feliz, de outro tempo, eu quis saborear
Para ficar mais apto a encarar minha missão.
Pensar antes, lutar depois, eis do soldado o bordão:
Um vislumbre do passado pode a tudo acertar.
XVI
Mas não! Imaginei de Cuthbert a face corada
Em meio a seu adorno de cachos dourados,
Querido amigo, eu quase o senti laçar meus braços
Para me colocar a postos na caminhada
Como ele sempre fez. Ai, noite desgraçada!
O fogo no meu coração se apagou, deixando-o gelado.
XVII
Giles então surge – ele que é da honra a alma,
Leal como há dez anos, quando tornou-se cavaleiro
Capaz de ousar tudo que ousaria um homem verdadeiro
Mas – argh – a cena se modifica! Um carrasco infama
seu peito com um aviso que para todos informa:
Desprezado e amaldiçoado; traidor rasteiro.
XVIII
Do que um passado assim, melhor este presente
Que eu volte então para meu caminho triste
Nenhum som, nada que se veja ao longe em riste.
Aparecerá morcego ou coruja após o poente?
Perguntei quando algo na planície descrente
capturou e dominou meu pensamento num despiste.
XIX
Um súbito córrego atravessava meu caminho
Veio tão inesperado quanto uma cobra
Sem o lento escorrer que a atmosfera desdobra
Poderia ser um banho, com seu burburinho,
Para o casco do demônio, a ver seu redemoinho
Negro borbulhar com espuma e faísca rubra.
XX
Tão pequeno e ao mesmo tempo tão mau
Amieiros o cercavam, rasteiros e mirrados;
Salgueiros afundavam-se e afogavam-se desesperados
Numa síncope muda, num atropelo mortal:
Quem os destruiu foi esse carrasco manancial,
E, fosse ele o que fosse, fluía sem ser desviado.
XXI
Bom Deus, ao adentrar seu leito, quanto medo
De pisar o rosto de algum cadáver humano,
A cada passo – tateando com um ramo
A cata de buracos – seus cabelos entre meus dedos.
Um rato-d’água talvez tenha por acaso lancetado,
Mas, argh, parecia o grito de um menino.
XXII
Estava feliz quando cheguei ao outro lado.
Agora terras melhores me esperam. Vã esperança!
Quais foram os contendores? Qual foi a matança?
Que trotar selvagem pôde fazer desse solo molhado
Um atoleiro? Sapos em um tanque infectado
Ou gatos selvagens numa cela em incandescência –
XXIII
Assim deve ter sido a luta naquela arena decadente
O que os trouxe até lá, se tinham toda a planície?
Nenhuma pegada na direção daquela imundície
Nenhuma dela se afastando. Alguma poção demente
Agiu em seus cérebros, sem dúvida, como no da gente
Escrava – judia e cristã – que o turco atiçava por malícia.
XXIV
E além de tudo – a uma milha -, o que era aquele achado?
Para que mau intuito servia aquela máquina, aquela polia –
Um travão, não uma polia -, aquela grade que fiaria
Corpos humanos como se fossem seda? O ar desonrado
Dos rituais de Tophet, na terra perdido, ou invocado
Para afiar o enferrujado metal da sua gradaria.
XXV
Então uma terra de galhos, que um dia foi floresta;
Depois algo como um pântano; e agora apenas terra dura
Desesperada e acabada (um tolo encontra ventura,
Faz algo e em seguida o destrói, seu humor desembesta
E ele o abandona!). Por dez ares, chão que cresta,
Lamaçal, seixos, areia, e uma esterilidade negra, impura.
XXVI
Agora, pústulas inflamam-se em cor forte,
E medonha. Agora, remendos onde a aridez do chão
Tornou-se musgo, ou substâncias em ebulição;
Surge então um carvalho, e nele há um corte
Como uma boca distorcida que cava seu porte
Num bocejo para a morte, morrendo em seu repuxão.
XXVII
E tão longe como nunca o fim se afigura!
Nada no horizonte senão a noite, nada
Que direcionasse adiante minha passada!
Isso pensei, e surgiu um pássaro de imensa negrura
Amigo de Satã, a asa de dragão, na largura,
roçou meu gorro – talvez esta fosse a guia procurada.
XXVIII
Ao olhar para cima, apesar do anoitecer,
Vi com mais clareza. A planície dera lugar
às montanhas que a cercavam – nome muito invulgar
Para meras alturas feias e montes a não mais ver.
Como poderiam elas ter-me surpreendido, tente esclarecer!
Como vencê-las também não era fácil deslindar.
XXIX
Mas ainda assim, pareci reconhecer certo truque
Do qual fui vítima, Deus sabe quando –
Talvez em um mau sonho. Aqui estava terminando
O progresso por este caminho. Quando fiz que
desistia, mais uma vez, soou um clique
Como o de um alçapão atrás de mim se fechando.
XXX
Veio a mim de imediato, como fogo em um milharal,
Era este o lugar! À direita, esses dois morros, agachados,
como dois búfalos com os chifres enganchados;
Enquanto à esquerda, uma montanha alta… Boçal,
Imbecil, vacilar logo na hora mais crucial,
Você que treinou uma vida para ter olhos afiados!
XXXI
E se a própria Torre estivesse no centro? Redonda
e atarracada, cega como um coração rasteiro,
Feita de pedra marrom, sem igual no mundo inteiro.
O elfo, caçoando da tempestade que o ronda,
Aponta ao timoneiro o banco que ninguém sonda.
Ele aporta, por pouco não rompendo do casco o madeiro.
XXXII
Não vê-la? Talvez por conta da noite? – se o dia
Ressurgiu para isto! E antes de partir novamente
O poente brilhou por uma fenda rente:
As colinas, como gigantes caçadores na tocaia,
Esperando que a presa na armadilha caia –
“Agora ataquem e matem a criatura, inclementes”.
XXXIII
Não ouvi-la? Com tantos sons à volta! O ribombar
dos sinos cada vez mais alto. Nomes nos meus ouvidos
Todos os aventureiros, meus companheiros perdidos –
Como, se um era tão forte, outro de tão corajoso bradar,
Outro tão afortunado, como foram perdidos acabar?
Um instante trazia tantos anos de sofrimentos renascidos.
XXXIV
Ali estavam eles, pelos lados dos montes, unidos
Para assistir meu fim. Eu, uma moldura animada
Para mais um quadro! Numa súbita labareda
Eu os vi e reconheci a todos. E, destemido,
Deixei meus lábios formarem um bramido:
“Childe Roland à Torre Negra chegou”, foi minha chamada

9 de outubro de 2018

Lord Byron - Poemas

POEMAS - LORD BYRON
Nome influente no romantismo britânico, Lord Byron inspirou diversos escritores, inclusive no Brasil. 

O escritor londrino nasceu em 1788 e escreveu importantes obras, como “Peregrinação de Child Harold” e “Don Juan”. As obras de Byron costumam ser consideradas autobiográficas, o que aproximava o autor e o público, ele recebia, inclusive, cartas de fãs. 

Tão importante quando o texto, a imagem de Byron era reproduzida em larga escala, o que tornou o escritor muito conhecido. Fazia sucesso principalmente entre as mulheres, que o viam como um herói romântico. 

A preocupação de Lord Byron com a própria imagem era tão grande, que ordenava que as pinturas o mostrassem como um homem com feições definidas e corpo em forma.

Talvez considerasse assim todos os homens, pois nunca escondeu sua paixão por animais, chegando a declarar: “quanto mais conheço os homens, mais quero a meu cachorro”.  “Boaswain” foi o nome de seu cachorro preferido, o qual gostava tanto que, após a morte do animal, dedicou-lhe os seguintes versos: "Aqui repousam os restos de uma criatura que foi bela sem vaidade forte sem insolência valente sem ferocidade e teve todas as virtudes do homem e nenhum dos seus defeitos" Conta-se também sobre Byron que nasceu com uma deformidade no pé direito. Seus dedos eram voltados para dentro, o que lhe dificultava muitas tarefas.

Seu pai lhe disse que nunca andaria direito, muito menos correria. Mas Lord Byron nunca se rendeu. Já adulto, seu jeito de andar aliado à personalidade colérica lhe deram uma forma única de caminhar, considerada muito elegante (e sim, chegou a correr). Ele nunca sentiu vergonha desta enfermidade, até pelo contrário. Quando as pessoas debochavam de seu pé, Byron se enchia de orgulho e respondia: “Quando um membro se debilita, sempre há outro que o compensa”. O poeta faleceu em 19 de abril de 1824, na cidade de Missolonghi. Lutava ao lado dos gregos pela independência, contra a opressão turca. Os registros apontam apenas que a causa da morte foi uma uremia, com complicações após uma febre reumática.


AS TREVAS  (TRADUZIDO DE LORD BYRON)

A meu amigo, o DR. Franco Meireles,
inspirado tradutor das "Melodias Hebraicas".

Tive um sonho que em tudo não foi sonho!...

O sol brilhante se apagava: e os astros,
Do eterno espaço na penumbra escura,
Sem raios, e sem trilhos, vagueavam.
A terra fria balouçava cega
E tétrica no espaço ermo de lua.
A manhã ia, vinha... e regressava...
Mas não trazia o dia! Os homens pasmos
Esqueciam no horror dessas ruínas
Suas paixões: E as almas conglobadas
Gelavam-se num grito de egoísmo
Que demandava "luz". Junto às fogueiras
Abrigavam-se. . . e os tronos e os palácios,
Os palácios dos reis, o albergue e a choça
Ardiam por fanais. Tinham nas chamas
As cidades morrido. Em torno às brasas
Dos seus lares os homens se grupavam,
Pra à vez extrema se fitarem juntos.
Feliz de quem vivia junto às lavas
Dos vulcões sob a tocha alcantilada!

Hórrida esperança acalentava o mundo!
As florestas ardiam! ... de hora em hora
Caindo seapagavam; crepitando,
Lascado o tronco desabava em cinzas.
E tudo... tudo as trevas envolviam.
As frontesão clarão da luz doente
Tinham do inferno o aspecto... quando às vezes
As faíscas das chamas borrifavam-nas.
Uns, de bruços no chão, tapando os olhos
Choravam. Sobre as mãos cruzadas — outros —
Firmando a barba, desvairados riam.
Outros correndo à toa procuravam
O ardente pasto pra funéreas piras.
Inquietos, no esgar do desvario,
Os olhos levantavam pra o céu torvo,
Vasto sudário do universo — espectro —,
E após em terra se atirando em raivas,
Rangendo os dentes, blasfemos, uivavam!

Lúgubre grito os pássaros selvagens
Soltavam, revoando espavoridos
Num voo tonto coas inúteis asas!
As feras estavam mansas e medrosas!
As víboras rojando se roscavam
Pelos membros dos homens, sibilantes,
Mas sem veneno... a fome lhes matavam!
E a guerra, que um momento s’extinguira,
De novo se fartava. Só com sangue
Comprava-se o alimento, e após à parte
Cada um se sentava taciturno,
Pra fartar-se nas trevas infinitas!
Já não havia amor! ... O mundo inteiro
Era um só pensamento, e o pensamento
Era a morte sem glória e sem detença!
O estertor da fome apascentava-se
Nas entranhas ... Ossada ou carne pútrida
Ressupino, insepulto era o cadáver.

Mordiam-se entre si os moribundos
Mesmo os cães se atiravam sobre os donos,
Todos exceto um só... que defendia
O cadáver do seu, contra os ataques
Dos pássaros, das feras e dos homens,
Até que a fome os extinguisse, ou fossem
Os dentes frouxos saciar algures!
Ele mesmo alimento não buscava ...
Mas, gemendo num uivo longo e triste,
Morreu lambendo a mão, que inanimada
Já não podia lhe pagar o afeto.

Faminta a multidão morrera aos poucos.
Escaparam dous homens tão-somente
De uma grande cidade. E se odiavam.
... Foi junto dos tições quase apagados
De um altar, sobre o qual se amontoaram
Sacros objetos pra um profano uso,
Que encontraram-se os dous... e, as cinzas mornas
Reunindo nas mãos frias de espectros,
De seus sopros exaustos ao bafejo
Uma chama irrisória produziram! ...
Ao clarão que tremia sobre as cinzas
Olharam-se e morreram dando um grito.
Mesmo da própria hediondez morreram,
Desconhecendo aquele em cuja fronte
Traçara a fome o nome de Duende!

O mundo fez-se um vácuo. A terra esplêndida,
Populosa tornou-se numa massa
Sem estações, sem árvores, sem erva.
Sem verdura, sem homens e sem vida,
Caos de morte, inanimada argila!
Calaram-se o Oceano, o rio, os lagos!
Nada turbava a solidão profunda!
Os navios no mar apodreciam
Sem marujos! os mastros desabando
Dormiam sobre o abismo, sem que ao menos
Uma vaga na queda alevantassem,
Tinham morrido as vagas! e jaziam
As marés no seu túmulo... antes delas
A lua que as guiava era já morta!
No estagnado céu murchara o vento;
Esvaíram-se as nuvens. E nas trevas
Era só trevas o universo inteiro.

Uma taça feita de um crânio humano 

(Tradução de Castro Alves)

Não recues! De mim não foi-se o espírito… 

Em mim verás – pobre caveira fria –

Único crânio que, ao invés dos vivos, 

Só derrama alegria.


Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte

Arrancaram da terra os ossos meus.

Não me insultes! empina-me!… que a larva

Tem beijos mais sombrios do que os teus.

 

Mais vale guardar o sumo da parreira

Do que ao verme do chão ser pasto vil;

– Taça – levar dos Deuses a bebida,

Que o pasto do réptil.


Que este vaso, onde o espírito brilhava,

Vá nos outros o espírito acender.

Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro

…Podeis de vinho o encher!


Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça,

Quando tu e os teus fordes nos fossos,

Pode do abraço te livrar da terra,

E ébria folgando profanar teus ossos.


E por que não? Se no correr da vida

Tanto mal, tanta dor ai repousa?

É bom fugindo à podridão do lado

Servir na morte enfim p’ra alguma coisa!

Trevas 

(Tradução de Castro Alves)

 

Eu tive um sonho que não era em todo um sonho

O sol esplêndido extinguira-se, e as estrelas

Vagueavam escuras pelo espaço eterno,

Sem raios nem roteiro, e a enregelada terra

Girava cega e negrejante no ar sem lua;

Veio e foi-se a manhã – Veio e não trouxe o dia;

E os homens esqueceram as paixões, no horror

Dessa desolação; e os corações esfriaram

Numa prece egoísta que implorava luz:

E eles viviam ao redor do fogo; e os tronos,

Os palácios dos reis coroados, as cabanas,

As moradas, enfim, do gênero que fosse,

Em chamas davam luz; As cidades consumiam-se

E os homens juntavam-se junto às casas ígneas

Para ainda uma vez olhar o rosto um do outro;

Felizes enquanto residiam bem à vista

Dos vulcões e de sua tocha montanhosa;

Expectativa apavorada era a do mundo;

Queimavam-se as florestas – mas de hora em hora

Tombavam, desfaziam-se – e, estralando, os troncos

Findavam num estrondo – e tudo era negror.

À luz desesperante a fronte dos humanos

Tinha um aspecto não terreno, se espasmódicos

Neles batiam os clarões; alguns, por terra,

Escondiam chorando os olhos; apoiavam

Outros o queixo às mãos fechadas, e sorriam;

Muitos corriam para cá e para lá,

Alimentando a pira, e a vista levantavam

Com doida inquietação para o trevoso céu,

A mortalha de um mundo extinto; e então de novo

Com maldições olhavam para a poeira, e uivavam,

Rangendo os dentes; e aves bravas davam gritos

E cheias de terror voejavam junto ao solo,

Batendo asas inúteis; as mais rudes feras

Chagavam mansas e a tremer; rojavam víboras,

E entrelaçavam-se por entre a multidão,

Silvando, mas sem presas – e eram devoradas.

E fartava-se a Guerra que cessara um tempo,

E qualquer refeição comprava-se com sangue;

E cada um sentava-se isolado e torvo,

Empanturrando-se no escuro; o amor findara;

A terra era uma idéia só – e era a de morte

Imediata e inglória; e se cevava o mal

Da fome em todas as entranhas; e morriam

Os homens, insepultos sua carne e ossos;

Os magros pelos magros eram devorados,

Os cães salteavam seus donos, exceto um,

Que se mantinha fiel a um corpo, e conservava

Em guarda as bestas e aves e famintos homens,

Até a fome os levar, ou os que caíam mortos

Atraírem seus dentes; ele não comia,

Mas com um gemido comovente e longo, e um grito

Rápido e desolado, e relambendo a mão

Que já não o agradava em paga – ele morreu.

Finou-se a multidão de fome, aos poucos; dois,

Dois inimigos que vieram a encontrar-se

Junto às brasas agonizantes de um altar

Onde se haviam empilhado coisas santas

Para um uso profano; eles a resolveram

E trêmulos rasparam, com as mãos esqueléticas,

As débeis cinzas, e com um débil assoprar

E para viver um nada, ergueram uma chama

Que não passava de arremedo; então alçaram

Os olhos quando ela se fez mais viva, e espiaram

O rosto um do outro – ao ver gritaram e morreram

– Morreram de sua própria e mútua hediondez,

– Sem um reconhecer o outro em cuja fronte

Grafara o nome “Diabo”. O mundo se esvaziara,

O populoso e forte era uma informe massa,

Sem estações nem árvore, erva, homem, vida,

Massa informe de morte – um caos de argila dura.

Pararam lagos, rios, oceanos: nada

Mexia em suas profundezas silenciosas;

Sem marujos, no mar as naus apodreciam,

Caindo os mastros aos pedaços; e, ao caírem,

Dormiam nos abismos sem fazer mareta,

mortas as ondas, e as marés na sepultura,

Que já findara sua lua senhoril.

Os ventos feneceram no ar inerte, e as nuvens

Tiveram fim; a escuridão não precisava

De seu auxílio – as trevas eram o Universo.

O Oceano 

(Tradução de Castro Alves)

Rola, Oceano profundo e azul sombrio, rola!

Caminham dez mil frotas sobre ti, em vão;

de ruínas o homem marca a terra, mas se evola

na praia o seu domínio. Na úmida extensão

só tu causas naufrágios; não, da destruição

feita pelo homem sombra alguma se mantém,

exceto se, gota de chuva, ele também

se afunda a borbulhar com seu gemido,

sem féretro, sem túmulo, desconhecido.

 

Do passo do há traços em teus caminhos,

nem são presas em teus campos. Ergues-te e o sacodes

de ti; desprezas os poderes tão mesquinhos

que usa para assolar a terra, já que podes

de teu seio atirá-lo aos céus; assim o lanças

tremendo uivando em teus borrifos escarninhos

rumo a seus deuses – nos quais firma as esperanças

de achar um portou angra próxima, talvez –

e o devolves á terra: – jaza aí, de vez.

 

Os armamentos que fulminam as muralhas

das cidades de pedra – e tremem as nações

ante eles, como os reis em suas capitais – ,

os leviatãs de roble, cujas proporções

levam o seu criador de barro a se apontar

como Senhor do Oceano e árbitro das batalhas,

fundem-se todos nessas ondas tão fatais

para a orgulhosa Armada ou para Trafalgar.

 

Tuas bordas são reinos, mas o tempo os traga:

Grécia, Roma, Catargo, Assíria, onde é que estão?

Quando outrora eram livres tu as devastavas,

e tiranos copiaram-te, a partir de então;

manda o estrangeiro em praias rudes ou escravas;

reinos secaram-se em desertos, nesse espaço,

mas tu não mudas, salvo no florear da vaga;

em tua fronte azul o tempo não põe traço;

como és agora, viu-te a aurora da criação.


Tu, espelho glorioso, onde no temporal

reflete sua imagem Deus onipotente;

calmo ou convulso, quando há brisa ou vendaval,

quer a gelar o pólo, quer em cima ardente

a ondear sombrio, – tu és sublime e sem final,

cópia da eternidade, trono do Invisível;

os monstros dos abismos nascem do teu lodo;

insondável, sozinho avanças, és terrível.

 

Amei-te, Oceano! Em meus folguedos juvenis

ir levado em teu peito, como tua espuma,

era um prazer; desde meus tempos infantis

divertir-me com as ondas dava-me alegria;

quando, porém, ao refrescar-se o mar, alguma

de tuas vagas de causar pavor se erguia,

sendo eu teu filho esse pavor me seduzia

e era agradável: nessas ondas eu confiava e,

como agora, a tua juba eu alisava.

Estancias para a música

Alegria não há que o mundo dê, como a que tira. 

Quando, do pensamento de antes, a paixão expira 

Na triste decadência do sentir; 

Não é na jovem face apenas o rubor 

Que esmaia rápido, porém do pensamento a flor 

Vai-se antes de que a própria juventude possa ir. 

Alguns cuja alma boia no naufrágio da ventura 

Aos escolhos da culpa ou mar do excesso são levados; 

O ímã da rota foi-se, ou só e em vão aponta a obscura 

Praia que nunca atingirão os panos lacerados. 

Então, frio mortal da alma, como a noite desce; 

Não sente ela a dor de outrem, nem a sua ousa sonhar;

toda a fonte do pranto, o frio a veio enregelar;

Brilham ainda os olhos: é o gelo que aparece. 

Dos lábios flua o espírito, e a alegria o peito invada, 

Na meia-noite já sem esperança de repouso: 

É como na hera em torno de uma torre já arruinada, 

Verde por fora, e fresca, mas por baixo cinza anoso. 

Pudesse eu me sentir ou ser como em horas passadas, 

Ou como outrora sobre cenas idas chorar tanto;

Parecem doces no deserto as fontes, se salgadas: 

No ermo da vida assim seria para mim o pranto.

A Inês

Não me sorrias à sombria fronte, 

Ai! sorrir eu não posso novamente: 

Que o céu afaste o que tu chorarias 

E em vão talvez chorasses, tão somente.

E perguntas que dor trago secreta,
A roer minha alegria e juventude?
E em vão procuras conhecer-me a angústia
Que nem tu tornarias menos rude?

Não é o amor, não é nem mesmo o ódio,
Nem de baixa ambição honras perdidas,
Que me fazem opor-me ao meu estado
E evadir-me das coisas mais queridas.

De tudo o que eu encontro, escuto, ou vejo,
É esse tédio que deriva, e quanto!
Não, a Beleza não me dá prazer,
Teus olhos para mim mal têm encanto.

Esta tristeza imóvel e sem fim
É a do judeu errante e fabuloso
Que não verá além da sepultura
E em vida não terá nenhum repouso.

Que exilado – de si pode fugir?
Mesmo nas zonas mais e mais distantes,
Sempre me caça a praga da existência,
O Pensamento, que é um demônio, antes.

Mas os outros parecem transportar-se
De prazer e, o que eu deixo, apreciar;
Possam sempre sonhar com esses arroubos
E como acordo nunca despertar!

Por muitos climas o meu fado é ir-me,
Ir-se com um recordar amaldiçoado;
Meu consolo é saber que ocorra embora
O que ocorrer, o pior já me foi dado.
 

Qual foi esse pior? Não me perguntes,
Não pesquises por que é que consterno!
Sorri! não sofras risco em desvendar
O coração de um homem: dentro é o Inferno.

Não, a Beleza não me dá prazer,
Teus olhos para mim mal têm encanto.