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27 de dezembro de 2018

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Poeta inglรชs nascido em Londres, cujo talento sรณ foi reconhecimento postumamente e produziu uma obra baseada na convicรงรฃo de que a arte tinha valor superior, como expressรฃo mais pura da emoรงรฃo humana, e de que a tarefa do artista seria unir o ideal ao real. De famรญlia rica, estudou para a carreira diplomรกtica mas desistiu para se dedicar apenas ร  literatura. Casou-se com a poetisa Elizabeth Barrett e mudou-se para a Itรกlia (1846), onde passou grande parte da vida, morrendo em Veneza. Entre suas principais obras citam-se Pauline: A Fragment of a Confession (1833), Paracelsus (1835), Sordello (1840), a sรฉrie Bells and Pomegranates (1841-1846) e a mais famosa, The Ring and the Book (1868-1869). Entre seus poemas mais conhecidos estรก o que inspirou Stephen King a escrever a saga “The Dark Tower” (A Torre Negra), “Childe Roland ร  Torre Negra Chegou”. O tรญtulo faz menรงรฃo ร s ultimas palavras do poema, alรฉm de ser uma passagem da peรงa “O Rei Lear” do tambรฉm dramaturgo inglรชs, William Shakespeare. Segue abaixo o poema completo com traduรงรฃo de Fabiano Morais:
Childe Roland ร  Torre Negra chegou 
Robert Browning

I
Primeiro pensei: ele mentiu a cada sentenรงa
O coxo encanecido, com olhos cheios de malรญcia
รvidos por ver nos meus de sua mentira a perรญcia
E com a boca sem conter a alegria intensa
Que repuxava seus cantos na crenรงa
De que o predador outra vez se sacia.
II
Qual outro seria o intuito, com seu cajado?
Qual senรฃo emboscar e laรงar os andarilhos
Que porventura o encontram pelos trilhos
E vรชm pedir direรงรฃo? Que risada mรก eu teria escutado,
quem deixaria meu epitรกfio marcado
por diversรฃo nos terrosos caminhos,
III
Se ao seu conselho eu devesse me desviar
Para aquele curso sinistro que, รฉ sabido,
Esconde a Torre Negra? Porรฉm eu, de boa-fรฉ imbuรญdo,
Tomei o indicado caminho, sem orgulho demonstrar
Nem esperanรงa rediviva ao ver o fim se aproximar,
Mas sim gratidรฃo pela idรฉia de algum fim existir.
IV
Pois, se depois de o mundo todo vagar
Se na minha busca ano a ano estendida
Minha esperanรงa tornou-se uma sombra encardida
E incapaz de com o gozo ruidoso da vitรณria lidar,
A festa no meu coraรงรฃo eu mal pude refrear
Quando este entreviu a batalha perdida.
V
Assim como um doente ร  beira da morte
Jรก parece morto, e pressente o pranto fatal,
e recebe de todos a despedida amical,
E escuta ao longe a saรญda de outro consorte
Para respirar lรก fora, (nรฃo se muda a sorte,
ele diz, e o pesar nรฃo se alivia com o golpe final)
VI
Enquanto outros debatem junto ร s covas
Se hรก espaรงo para o caixรฃo e que hora
ร‰ a mais apropriada para levรก-lo embora,
Sem esquecer dos estandartes, hinos e estolas,
O homem ouve cada uma dessas estรณrias
E, respeitando tanta candura, quer partir sem demora.
VII
Assim, jรก sofro hรก tanto nessa jornada
Jรก ouvi do fracasso o vaticรญnio e a confirmaรงรฃo
Para tantos e tantos companheiros da Afiliaรงรฃo
de cavaleiros que da Torre Negra atendem a chamada,
Que falhar como eles me pareceu a coisa acertada
E a รบnica dรบvida era: nรฃo seria essa minha funรงรฃo?
VIII
Tรฃo quieto quanto o desespero eu dei as costas
ร quele coxo odioso, abandonando sua via
e adentrando o caminho apontado. Todo o dia
havia sido lรบgubre, e as sombras, sobrepostas,
fechavam-se a minha volta, mas uma olhadela torta,
rubra e carrancuda, ele lanรงou ร  planรญcie todavia.
IX
Por Deus! Logo assim que me encontrei
Jurado ร  planรญcie, apรณs nรฃo mais que uma passada,
Parei para um รบltimo olhar ร  seguranรงa da estrada
E nada mais havia, sรณ a planura cinza avistei
Nada senรฃo a vastidรฃo sob o cรฉu do astro rei.
Sem mais a fazer, decidi seguir caminhada.
X
Assim, fui adiante. E creio nunca ter visto
Natureza tรฃo miserรกvel e ignรณbil, onde nada medra:
Pois as flores – ou mesmo um cedro entre a pedra,
Embora murchando como pela sua lei previsto,
Mesmo no abandono perduram, pensaria vocรช;
Descobrem-se tesouros quando a casca quebra.
XI
Mas nรฃo! Penรบria, feiรบra, inรฉrcia
Em condiรงรฃo estranha estรก essa parte da terra
“Veja, ou feche os olhos”, a Natureza berra
“Nรฃo hรก escapatรณria: ela รฉ de todo nรฉscia,
Sรณ o fogo do Julgamento Final trarรก a panacรฉia,
Calcinando o chรฃo e livrando os presos que ele cerra.”
XII
Se havia ali alguma ressequida haste de cardo,
Seus colegas nรฃo se achavam, e o talo estava decepado.
O que fez aqueles buracos e rasgos no folhado
escuro e duro da bardana, tรฃo machucado
que era impossรญvel pensรก-lo regenerado?
Era preciso que um bruto as tivesse pisoteado.
XIII
Quanto ร  relva, era como o cabelo escasso
Dos leprosos; magras lรขminas secas na lama
Que parecia ter por baixo uma sangรผรญnea trama.
Um cavalo cego e rijo, ossos ร  vista, lasso,
Parava ali, estรบpido; havia chegado ร quele pedaรงo:
Rebento que o garanhรฃo do diabo nรฃo reclama!
XIV
Vivo? A meu ver poderia muito bem jรก ter partido,
Com seu pescoรงo rubro, descarnado e macilento.
E os olhos fechados por sob o pรชlo bolorento;
Nunca o grotesco andou ร  desgraรงa tรฃo unido;
E jamais senti por criatura รณdio tรฃo ardido:
Ele deve ser mau para merecer tal sofrimento.
XV
Fecho meus olhos, e os volto para o meu coraรงรฃo,
Como um homem que pede vinho antes de lutar,
Visรฃo mais feliz, de outro tempo, eu quis saborear
Para ficar mais apto a encarar minha missรฃo.
Pensar antes, lutar depois, eis do soldado o bordรฃo:
Um vislumbre do passado pode a tudo acertar.
XVI
Mas nรฃo! Imaginei de Cuthbert a face corada
Em meio a seu adorno de cachos dourados,
Querido amigo, eu quase o senti laรงar meus braรงos
Para me colocar a postos na caminhada
Como ele sempre fez. Ai, noite desgraรงada!
O fogo no meu coraรงรฃo se apagou, deixando-o gelado.
XVII
Giles entรฃo surge – ele que รฉ da honra a alma,
Leal como hรก dez anos, quando tornou-se cavaleiro
Capaz de ousar tudo que ousaria um homem verdadeiro
Mas – argh – a cena se modifica! Um carrasco infama
seu peito com um aviso que para todos informa:
Desprezado e amaldiรงoado; traidor rasteiro.
XVIII
Do que um passado assim, melhor este presente
Que eu volte entรฃo para meu caminho triste
Nenhum som, nada que se veja ao longe em riste.
Aparecerรก morcego ou coruja apรณs o poente?
Perguntei quando algo na planรญcie descrente
capturou e dominou meu pensamento num despiste.
XIX
Um sรบbito cรณrrego atravessava meu caminho
Veio tรฃo inesperado quanto uma cobra
Sem o lento escorrer que a atmosfera desdobra
Poderia ser um banho, com seu burburinho,
Para o casco do demรดnio, a ver seu redemoinho
Negro borbulhar com espuma e faรญsca rubra.
XX
Tรฃo pequeno e ao mesmo tempo tรฃo mau
Amieiros o cercavam, rasteiros e mirrados;
Salgueiros afundavam-se e afogavam-se desesperados
Numa sรญncope muda, num atropelo mortal:
Quem os destruiu foi esse carrasco manancial,
E, fosse ele o que fosse, fluรญa sem ser desviado.
XXI
Bom Deus, ao adentrar seu leito, quanto medo
De pisar o rosto de algum cadรกver humano,
A cada passo – tateando com um ramo
A cata de buracos – seus cabelos entre meus dedos.
Um rato-d’รกgua talvez tenha por acaso lancetado,
Mas, argh, parecia o grito de um menino.
XXII
Estava feliz quando cheguei ao outro lado.
Agora terras melhores me esperam. Vรฃ esperanรงa!
Quais foram os contendores? Qual foi a matanรงa?
Que trotar selvagem pรดde fazer desse solo molhado
Um atoleiro? Sapos em um tanque infectado
Ou gatos selvagens numa cela em incandescรชncia –
XXIII
Assim deve ter sido a luta naquela arena decadente
O que os trouxe atรฉ lรก, se tinham toda a planรญcie?
Nenhuma pegada na direรงรฃo daquela imundรญcie
Nenhuma dela se afastando. Alguma poรงรฃo demente
Agiu em seus cรฉrebros, sem dรบvida, como no da gente
Escrava – judia e cristรฃ – que o turco atiรงava por malรญcia.
XXIV
E alรฉm de tudo – a uma milha -, o que era aquele achado?
Para que mau intuito servia aquela mรกquina, aquela polia –
Um travรฃo, nรฃo uma polia -, aquela grade que fiaria
Corpos humanos como se fossem seda? O ar desonrado
Dos rituais de Tophet, na terra perdido, ou invocado
Para afiar o enferrujado metal da sua gradaria.
XXV
Entรฃo uma terra de galhos, que um dia foi floresta;
Depois algo como um pรขntano; e agora apenas terra dura
Desesperada e acabada (um tolo encontra ventura,
Faz algo e em seguida o destrรณi, seu humor desembesta
E ele o abandona!). Por dez ares, chรฃo que cresta,
Lamaรงal, seixos, areia, e uma esterilidade negra, impura.
XXVI
Agora, pรบstulas inflamam-se em cor forte,
E medonha. Agora, remendos onde a aridez do chรฃo
Tornou-se musgo, ou substรขncias em ebuliรงรฃo;
Surge entรฃo um carvalho, e nele hรก um corte
Como uma boca distorcida que cava seu porte
Num bocejo para a morte, morrendo em seu repuxรฃo.
XXVII
E tรฃo longe como nunca o fim se afigura!
Nada no horizonte senรฃo a noite, nada
Que direcionasse adiante minha passada!
Isso pensei, e surgiu um pรกssaro de imensa negrura
Amigo de Satรฃ, a asa de dragรฃo, na largura,
roรงou meu gorro – talvez esta fosse a guia procurada.
XXVIII
Ao olhar para cima, apesar do anoitecer,
Vi com mais clareza. A planรญcie dera lugar
ร s montanhas que a cercavam – nome muito invulgar
Para meras alturas feias e montes a nรฃo mais ver.
Como poderiam elas ter-me surpreendido, tente esclarecer!
Como vencรช-las tambรฉm nรฃo era fรกcil deslindar.
XXIX
Mas ainda assim, pareci reconhecer certo truque
Do qual fui vรญtima, Deus sabe quando –
Talvez em um mau sonho. Aqui estava terminando
O progresso por este caminho. Quando fiz que
desistia, mais uma vez, soou um clique
Como o de um alรงapรฃo atrรกs de mim se fechando.
XXX
Veio a mim de imediato, como fogo em um milharal,
Era este o lugar! ร€ direita, esses dois morros, agachados,
como dois bรบfalos com os chifres enganchados;
Enquanto ร  esquerda, uma montanha alta… Boรงal,
Imbecil, vacilar logo na hora mais crucial,
Vocรช que treinou uma vida para ter olhos afiados!
XXXI
E se a prรณpria Torre estivesse no centro? Redonda
e atarracada, cega como um coraรงรฃo rasteiro,
Feita de pedra marrom, sem igual no mundo inteiro.
O elfo, caรงoando da tempestade que o ronda,
Aponta ao timoneiro o banco que ninguรฉm sonda.
Ele aporta, por pouco nรฃo rompendo do casco o madeiro.
XXXII
Nรฃo vรช-la? Talvez por conta da noite? – se o dia
Ressurgiu para isto! E antes de partir novamente
O poente brilhou por uma fenda rente:
As colinas, como gigantes caรงadores na tocaia,
Esperando que a presa na armadilha caia –
“Agora ataquem e matem a criatura, inclementes”.
XXXIII
Nรฃo ouvi-la? Com tantos sons ร  volta! O ribombar
dos sinos cada vez mais alto. Nomes nos meus ouvidos
Todos os aventureiros, meus companheiros perdidos –
Como, se um era tรฃo forte, outro de tรฃo corajoso bradar,
Outro tรฃo afortunado, como foram perdidos acabar?
Um instante trazia tantos anos de sofrimentos renascidos.
XXXIV
Ali estavam eles, pelos lados dos montes, unidos
Para assistir meu fim. Eu, uma moldura animada
Para mais um quadro! Numa sรบbita labareda
Eu os vi e reconheci a todos. E, destemido,
Deixei meus lรกbios formarem um bramido:
“Childe Roland ร  Torre Negra chegou”, foi minha chamada

9 de outubro de 2018

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POEMAS - LORD BYRON
Nome influente no romantismo britรขnico, Lord Byron inspirou diversos escritores, inclusive no Brasil. 

O escritor londrino nasceu em 1788 e escreveu importantes obras, como “Peregrinaรงรฃo de Child Harold” e “Don Juan”. As obras de Byron costumam ser consideradas autobiogrรกficas, o que aproximava o autor e o pรบblico, ele recebia, inclusive, cartas de fรฃs. 

Tรฃo importante quando o texto, a imagem de Byron era reproduzida em larga escala, o que tornou o escritor muito conhecido. Fazia sucesso principalmente entre as mulheres, que o viam como um herรณi romรขntico. 

A preocupaรงรฃo de Lord Byron com a prรณpria imagem era tรฃo grande, que ordenava que as pinturas o mostrassem como um homem com feiรงรตes definidas e corpo em forma.

Talvez considerasse assim todos os homens, pois nunca escondeu sua paixรฃo por animais, chegando a declarar: “quanto mais conheรงo os homens, mais quero a meu cachorro”.  “Boaswain” foi o nome de seu cachorro preferido, o qual gostava tanto que, apรณs a morte do animal, dedicou-lhe os seguintes versos: "Aqui repousam os restos de uma criatura que foi bela sem vaidade forte sem insolรชncia valente sem ferocidade e teve todas as virtudes do homem e nenhum dos seus defeitos" Conta-se tambรฉm sobre Byron que nasceu com uma deformidade no pรฉ direito. Seus dedos eram voltados para dentro, o que lhe dificultava muitas tarefas.

Seu pai lhe disse que nunca andaria direito, muito menos correria. Mas Lord Byron nunca se rendeu. Jรก adulto, seu jeito de andar aliado ร  personalidade colรฉrica lhe deram uma forma รบnica de caminhar, considerada muito elegante (e sim, chegou a correr). Ele nunca sentiu vergonha desta enfermidade, atรฉ pelo contrรกrio. Quando as pessoas debochavam de seu pรฉ, Byron se enchia de orgulho e respondia: “Quando um membro se debilita, sempre hรก outro que o compensa”. O poeta faleceu em 19 de abril de 1824, na cidade de Missolonghi. Lutava ao lado dos gregos pela independรชncia, contra a opressรฃo turca. Os registros apontam apenas que a causa da morte foi uma uremia, com complicaรงรตes apรณs uma febre reumรกtica.


AS TREVAS  

A meu amigo, o DR. Franco Meireles,
inspirado tradutor das "Melodias Hebraicas".

Tive um sonho que em tudo nรฃo foi sonho!...

O sol brilhante se apagava: e os astros,
Do eterno espaรงo na penumbra escura,
Sem raios, e sem trilhos, vagueavam.
A terra fria balouรงava cega
E tรฉtrica no espaรงo ermo de lua.
A manhรฃ ia, vinha... e regressava...
Mas nรฃo trazia o dia! Os homens pasmos
Esqueciam no horror dessas ruรญnas
Suas paixรตes: E as almas conglobadas
Gelavam-se num grito de egoรญsmo
Que demandava "luz". Junto ร s fogueiras
Abrigavam-se. . . e os tronos e os palรกcios,
Os palรกcios dos reis, o albergue e a choรงa
Ardiam por fanais. Tinham nas chamas
As cidades morrido. Em torno ร s brasas
Dos seus lares os homens se grupavam,
Pra ร  vez extrema se fitarem juntos.
Feliz de quem vivia junto ร s lavas
Dos vulcรตes sob a tocha alcantilada!

Hรณrrida esperanรงa acalentava o mundo!
As florestas ardiam! ... de hora em hora
Caindo seapagavam; crepitando,
Lascado o tronco desabava em cinzas.
E tudo... tudo as trevas envolviam.
As frontesรฃo clarรฃo da luz doente
Tinham do inferno o aspecto... quando ร s vezes
As faรญscas das chamas borrifavam-nas.
Uns, de bruรงos no chรฃo, tapando os olhos
Choravam. Sobre as mรฃos cruzadas — outros —
Firmando a barba, desvairados riam.
Outros correndo ร  toa procuravam
O ardente pasto pra funรฉreas piras.
Inquietos, no esgar do desvario,
Os olhos levantavam pra o cรฉu torvo,
Vasto sudรกrio do universo — espectro —,
E apรณs em terra se atirando em raivas,
Rangendo os dentes, blasfemos, uivavam!

Lรบgubre grito os pรกssaros selvagens
Soltavam, revoando espavoridos
Num voo tonto coas inรบteis asas!
As feras estavam mansas e medrosas!
As vรญboras rojando se roscavam
Pelos membros dos homens, sibilantes,
Mas sem veneno... a fome lhes matavam!
E a guerra, que um momento s’extinguira,
De novo se fartava. Sรณ com sangue
Comprava-se o alimento, e apรณs ร  parte
Cada um se sentava taciturno,
Pra fartar-se nas trevas infinitas!
Jรก nรฃo havia amor! ... O mundo inteiro
Era um sรณ pensamento, e o pensamento
Era a morte sem glรณria e sem detenรงa!
O estertor da fome apascentava-se
Nas entranhas ... Ossada ou carne pรบtrida
Ressupino, insepulto era o cadรกver.

Mordiam-se entre si os moribundos
Mesmo os cรฃes se atiravam sobre os donos,
Todos exceto um sรณ... que defendia
O cadรกver do seu, contra os ataques
Dos pรกssaros, das feras e dos homens,
Atรฉ que a fome os extinguisse, ou fossem
Os dentes frouxos saciar algures!
Ele mesmo alimento nรฃo buscava ...
Mas, gemendo num uivo longo e triste,
Morreu lambendo a mรฃo, que inanimada
Jรก nรฃo podia lhe pagar o afeto.

Faminta a multidรฃo morrera aos poucos.
Escaparam dous homens tรฃo-somente
De uma grande cidade. E se odiavam.
... Foi junto dos tiรงรตes quase apagados
De um altar, sobre o qual se amontoaram
Sacros objetos pra um profano uso,
Que encontraram-se os dous... e, as cinzas mornas
Reunindo nas mรฃos frias de espectros,
De seus sopros exaustos ao bafejo
Uma chama irrisรณria produziram! ...
Ao clarรฃo que tremia sobre as cinzas
Olharam-se e morreram dando um grito.
Mesmo da prรณpria hediondez morreram,
Desconhecendo aquele em cuja fronte
Traรงara a fome o nome de Duende!

O mundo fez-se um vรกcuo. A terra esplรชndida,
Populosa tornou-se numa massa
Sem estaรงรตes, sem รกrvores, sem erva.
Sem verdura, sem homens e sem vida,
Caos de morte, inanimada argila!
Calaram-se o Oceano, o rio, os lagos!
Nada turbava a solidรฃo profunda!
Os navios no mar apodreciam
Sem marujos! os mastros desabando
Dormiam sobre o abismo, sem que ao menos
Uma vaga na queda alevantassem,
Tinham morrido as vagas! e jaziam
As marรฉs no seu tรบmulo... antes delas
A lua que as guiava era jรก morta!
No estagnado cรฉu murchara o vento;
Esvaรญram-se as nuvens. E nas trevas
Era sรณ trevas o universo inteiro.

Uma taรงa feita de um crรขnio humano 

Nรฃo recues! De mim nรฃo foi-se o espรญrito… 

Em mim verรกs – pobre caveira fria –

รšnico crรขnio que, ao invรฉs dos vivos, 

Sรณ derrama alegria.


Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte

Arrancaram da terra os ossos meus.

Nรฃo me insultes! empina-me!… que a larva

Tem beijos mais sombrios do que os teus.

 

Mais vale guardar o sumo da parreira

Do que ao verme do chรฃo ser pasto vil;

– Taรงa – levar dos Deuses a bebida,

Que o pasto do rรฉptil.


Que este vaso, onde o espรญrito brilhava,

Vรก nos outros o espรญrito acender.

Ai! Quando um crรขnio jรก nรฃo tem mais cรฉrebro

…Podeis de vinho o encher!


Bebe, enquanto inda รฉ tempo! Uma outra raรงa,

Quando tu e os teus fordes nos fossos,

Pode do abraรงo te livrar da terra,

E รฉbria folgando profanar teus ossos.


E por que nรฃo? Se no correr da vida

Tanto mal, tanta dor ai repousa?

ร‰ bom fugindo ร  podridรฃo do lado

Servir na morte enfim p’ra alguma coisa!

Trevas 

(Traduรงรฃo de Castro Alves)

 

Eu tive um sonho que nรฃo era em todo um sonho

O sol esplรชndido extinguira-se, e as estrelas

Vagueavam escuras pelo espaรงo eterno,

Sem raios nem roteiro, e a enregelada terra

Girava cega e negrejante no ar sem lua;

Veio e foi-se a manhรฃ – Veio e nรฃo trouxe o dia;

E os homens esqueceram as paixรตes, no horror

Dessa desolaรงรฃo; e os coraรงรตes esfriaram

Numa prece egoรญsta que implorava luz:

E eles viviam ao redor do fogo; e os tronos,

Os palรกcios dos reis coroados, as cabanas,

As moradas, enfim, do gรชnero que fosse,

Em chamas davam luz; As cidades consumiam-se

E os homens juntavam-se junto ร s casas รญgneas

Para ainda uma vez olhar o rosto um do outro;

Felizes enquanto residiam bem ร  vista

Dos vulcรตes e de sua tocha montanhosa;

Expectativa apavorada era a do mundo;

Queimavam-se as florestas – mas de hora em hora

Tombavam, desfaziam-se – e, estralando, os troncos

Findavam num estrondo – e tudo era negror.

ร€ luz desesperante a fronte dos humanos

Tinha um aspecto nรฃo terreno, se espasmรณdicos

Neles batiam os clarรตes; alguns, por terra,

Escondiam chorando os olhos; apoiavam

Outros o queixo ร s mรฃos fechadas, e sorriam;

Muitos corriam para cรก e para lรก,

Alimentando a pira, e a vista levantavam

Com doida inquietaรงรฃo para o trevoso cรฉu,

A mortalha de um mundo extinto; e entรฃo de novo

Com maldiรงรตes olhavam para a poeira, e uivavam,

Rangendo os dentes; e aves bravas davam gritos

E cheias de terror voejavam junto ao solo,

Batendo asas inรบteis; as mais rudes feras

Chagavam mansas e a tremer; rojavam vรญboras,

E entrelaรงavam-se por entre a multidรฃo,

Silvando, mas sem presas – e eram devoradas.

E fartava-se a Guerra que cessara um tempo,

E qualquer refeiรงรฃo comprava-se com sangue;

E cada um sentava-se isolado e torvo,

Empanturrando-se no escuro; o amor findara;

A terra era uma idรฉia sรณ – e era a de morte

Imediata e inglรณria; e se cevava o mal

Da fome em todas as entranhas; e morriam

Os homens, insepultos sua carne e ossos;

Os magros pelos magros eram devorados,

Os cรฃes salteavam seus donos, exceto um,

Que se mantinha fiel a um corpo, e conservava

Em guarda as bestas e aves e famintos homens,

Atรฉ a fome os levar, ou os que caรญam mortos

Atraรญrem seus dentes; ele nรฃo comia,

Mas com um gemido comovente e longo, e um grito

Rรกpido e desolado, e relambendo a mรฃo

Que jรก nรฃo o agradava em paga – ele morreu.

Finou-se a multidรฃo de fome, aos poucos; dois,

Dois inimigos que vieram a encontrar-se

Junto ร s brasas agonizantes de um altar

Onde se haviam empilhado coisas santas

Para um uso profano; eles a resolveram

E trรชmulos rasparam, com as mรฃos esquelรฉticas,

As dรฉbeis cinzas, e com um dรฉbil assoprar

E para viver um nada, ergueram uma chama

Que nรฃo passava de arremedo; entรฃo alรงaram

Os olhos quando ela se fez mais viva, e espiaram

O rosto um do outro – ao ver gritaram e morreram

– Morreram de sua prรณpria e mรบtua hediondez,

– Sem um reconhecer o outro em cuja fronte

Grafara o nome “Diabo”. O mundo se esvaziara,

O populoso e forte era uma informe massa,

Sem estaรงรตes nem รกrvore, erva, homem, vida,

Massa informe de morte – um caos de argila dura.

Pararam lagos, rios, oceanos: nada

Mexia em suas profundezas silenciosas;

Sem marujos, no mar as naus apodreciam,

Caindo os mastros aos pedaรงos; e, ao caรญrem,

Dormiam nos abismos sem fazer mareta,

mortas as ondas, e as marรฉs na sepultura,

Que jรก findara sua lua senhoril.

Os ventos feneceram no ar inerte, e as nuvens

Tiveram fim; a escuridรฃo nรฃo precisava

De seu auxรญlio – as trevas eram o Universo.

O Oceano 

(Traduรงรฃo de Castro Alves)

Rola, Oceano profundo e azul sombrio, rola!

Caminham dez mil frotas sobre ti, em vรฃo;

de ruรญnas o homem marca a terra, mas se evola

na praia o seu domรญnio. Na รบmida extensรฃo

sรณ tu causas naufrรกgios; nรฃo, da destruiรงรฃo

feita pelo homem sombra alguma se mantรฉm,

exceto se, gota de chuva, ele tambรฉm

se afunda a borbulhar com seu gemido,

sem fรฉretro, sem tรบmulo, desconhecido.

 

Do passo do hรก traรงos em teus caminhos,

nem sรฃo presas em teus campos. Ergues-te e o sacodes

de ti; desprezas os poderes tรฃo mesquinhos

que usa para assolar a terra, jรก que podes

de teu seio atirรก-lo aos cรฉus; assim o lanรงas

tremendo uivando em teus borrifos escarninhos

rumo a seus deuses – nos quais firma as esperanรงas

de achar um portou angra prรณxima, talvez –

e o devolves รก terra: – jaza aรญ, de vez.

 

Os armamentos que fulminam as muralhas

das cidades de pedra – e tremem as naรงรตes

ante eles, como os reis em suas capitais – ,

os leviatรฃs de roble, cujas proporรงรตes

levam o seu criador de barro a se apontar

como Senhor do Oceano e รกrbitro das batalhas,

fundem-se todos nessas ondas tรฃo fatais

para a orgulhosa Armada ou para Trafalgar.

 

Tuas bordas sรฃo reinos, mas o tempo os traga:

Grรฉcia, Roma, Catargo, Assรญria, onde รฉ que estรฃo?

Quando outrora eram livres tu as devastavas,

e tiranos copiaram-te, a partir de entรฃo;

manda o estrangeiro em praias rudes ou escravas;

reinos secaram-se em desertos, nesse espaรงo,

mas tu nรฃo mudas, salvo no florear da vaga;

em tua fronte azul o tempo nรฃo pรตe traรงo;

como รฉs agora, viu-te a aurora da criaรงรฃo.


Tu, espelho glorioso, onde no temporal

reflete sua imagem Deus onipotente;

calmo ou convulso, quando hรก brisa ou vendaval,

quer a gelar o pรณlo, quer em cima ardente

a ondear sombrio, – tu รฉs sublime e sem final,

cรณpia da eternidade, trono do Invisรญvel;

os monstros dos abismos nascem do teu lodo;

insondรกvel, sozinho avanรงas, รฉs terrรญvel.

 

Amei-te, Oceano! Em meus folguedos juvenis

ir levado em teu peito, como tua espuma,

era um prazer; desde meus tempos infantis

divertir-me com as ondas dava-me alegria;

quando, porรฉm, ao refrescar-se o mar, alguma

de tuas vagas de causar pavor se erguia,

sendo eu teu filho esse pavor me seduzia

e era agradรกvel: nessas ondas eu confiava e,

como agora, a tua juba eu alisava.

Estรขncias para a mรบsica

Alegria nรฃo hรก que o mundo dรช, como a que tira. 

Quando, do pensamento de antes, a paixรฃo expira 

Na triste decadรชncia do sentir; 

Nรฃo รฉ na jovem face apenas o rubor 

Que esmaia rรกpido, porรฉm do pensamento a flor 

Vai-se antes de que a prรณpria juventude possa ir. 

Alguns cuja alma boia no naufrรกgio da ventura 

Aos escolhos da culpa ou mar do excesso sรฃo levados; 

O รญmรฃ da rota foi-se, ou sรณ e em vรฃo aponta a obscura 

Praia que nunca atingirรฃo os panos lacerados. 

Entรฃo, frio mortal da alma, como a noite desce; 

Nรฃo sente ela a dor de outrem, nem a sua ousa sonhar;

toda a fonte do pranto, o frio a veio enregelar;

Brilham ainda os olhos: รฉ o gelo que aparece. 

Dos lรกbios flua o espรญrito, e a alegria o peito invada, 

Na meia-noite jรก sem esperanรงa de repouso: 

ร‰ como na hera em torno de uma torre jรก arruinada, 

Verde por fora, e fresca, mas por baixo cinza anoso. 

Pudesse eu me sentir ou ser como em horas passadas, 

Ou como outrora sobre cenas idas chorar tanto;

Parecem doces no deserto as fontes, se salgadas: 

No ermo da vida assim seria para mim o pranto.

A Inรชs

Nรฃo me sorrias ร  sombria fronte, 

Ai! sorrir eu nรฃo posso novamente: 

Que o cรฉu afaste o que tu chorarias 

E em vรฃo talvez chorasses, tรฃo somente.

E perguntas que dor trago secreta,
A roer minha alegria e juventude?
E em vรฃo procuras conhecer-me a angรบstia
Que nem tu tornarias menos rude?

Nรฃo รฉ o amor, nรฃo รฉ nem mesmo o รณdio,
Nem de baixa ambiรงรฃo honras perdidas,
Que me fazem opor-me ao meu estado
E evadir-me das coisas mais queridas.

De tudo o que eu encontro, escuto, ou vejo,
ร‰ esse tรฉdio que deriva, e quanto!
Nรฃo, a Beleza nรฃo me dรก prazer,
Teus olhos para mim mal tรชm encanto.

Esta tristeza imรณvel e sem fim
ร‰ a do judeu errante e fabuloso
Que nรฃo verรก alรฉm da sepultura
E em vida nรฃo terรก nenhum repouso.

Que exilado – de si pode fugir?
Mesmo nas zonas mais e mais distantes,
Sempre me caรงa a praga da existรชncia,
O Pensamento, que รฉ um demรดnio, antes.

Mas os outros parecem transportar-se
De prazer e, o que eu deixo, apreciar;
Possam sempre sonhar com esses arroubos
E como acordo nunca despertar!

Por muitos climas o meu fado รฉ ir-me,
Ir-se com um recordar amaldiรงoado;
Meu consolo รฉ saber que ocorra embora
O que ocorrer, o pior jรก me foi dado. 

Qual foi esse pior? Nรฃo me perguntes,
Nรฃo pesquises por que รฉ que consterno!
Sorri! nรฃo sofras risco em desvendar
O coraรงรฃo de um homem: dentro รฉ o Inferno.

Nรฃo, a Beleza nรฃo me dรก prazer,
Teus olhos para mim mal tรชm encanto.