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24 de fevereiro de 2025

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A Dama de Shalott
Alfred Lord Tennyson

Parte I

De ambos os lados do rio ficam
Longos campos de cevada e centeio,
Que vestem o mundo e encontram o cรฉu;
E pelo campo a estrada corre
     Para Camelot com muitas torres;
E as pessoas vรฃo para cima e para baixo,
Olhando para onde os lรญrios sopram
Em volta de uma ilha lรก embaixo,
     A ilha de Shalott.

Os salgueiros embranquecem, os รกlamos tremem,
Pequenas brisas escurecem e tremem
Atravรฉs da onda que corre para sempre
Pela ilha no rio
     Fluindo para Camelot.
Quatro paredes cinzentas e quatro torres cinzentas,
Tenha vista para um espaรงo de flores,
E a ilha silenciosa se aprofunda
     A Dama de Shalott.

Pela margem, velada de salgueiro,
Deslize as pesadas barcaรงas arrastadas
Por cavalos lentos; e sem corrico
A chalupa voa com velas de seda
     Descendo rapidamente para Camelot:
Mas quem a viu acenar com a mรฃo?
Ou viu-a parada na janela?
Ou ela รฉ conhecida em toda a terra,
     A Dama de Shalott?

Apenas ceifeiros, colhendo cedo
Entre a cevada barbada,
Ouรงa uma mรบsica que ecoa alegremente
Do rio serpenteando claramente,
     Atรฉ a imponente Camelot:
E pela lua o ceifador cansado,
Empilhando feixes em terras altas arejadas,
Ouvindo, sussurra "ร‰ a fada
     Senhora de Shalott."

Parte II

Lรก ela tece noite e dia
Uma teia mรกgica com cores alegres.
Ela ouviu um sussurro dizer:
Uma maldiรงรฃo cairรก sobre ela se ela ficar
     Olhar para Camelot.
Ela nรฃo sabe qual pode ser a maldiรงรฃo,
E assim ela tece firmemente,
E ela nรฃo tem muita outra preocupaรงรฃo,
     A Dama de Shalott.

E movendo-se atravรฉs de um espelho claro
Que fica pendurado diante dela o ano todo,
Sombras do mundo aparecem.
Lรก ela vรช a rodovia perto
     Descendo para Camelot:
Ali o redemoinho do rio gira,
E lรก os rudes camponeses da aldeia,
E os mantos vermelhos das moรงas do mercado,
     Passe adiante de Shalott.

ร€s vezes, um bando de donzelas se alegra,
Um abade em uma plataforma de caminhada,
ร€s vezes um pastorzinho de cabelos cacheados,
Ou pajem de cabelos longos vestido de vermelho,
     Passa pela imponente Camelot;
E ร s vezes atravรฉs do espelho azul
Os cavaleiros vรชm cavalgando dois a dois:
Ela nรฃo tem nenhum cavaleiro leal e verdadeiro,
     A Dama de Shalott.

Mas em sua teia ela ainda se deleita
Para tecer as vistas mรกgicas do espelho,
Pois muitas vezes atravรฉs das noites silenciosas
Um funeral, com plumas e luzes
     E a mรบsica, foi para Camelot:
Ou quando a lua estava no alto,
Vieram dois jovens amantes recentemente casados;
"Estou meio farto de sombras", disse
     A Dama de Shalott.

Parte III

Um tiro de arco de seus beirais,
Ele cavalgou entre os feixes de cevada,
O sol surgiu deslumbrante atravรฉs das folhas,
E inflamou-se sobre as grevas de bronze
     Do ousado Sir Lancelot.
Um cavaleiro da cruz vermelha ajoelhou-se para sempre
Para uma senhora em seu escudo,
Que brilhava no campo amarelo,
     Ao lado da remota Shalott.

O freio brilhante brilhava livre,
Como alguns ramos de estrelas que vemos
Pendurado na Galรกxia dourada.
Os sinos das rรฉdeas tocaram alegremente
     Enquanto ele cavalgava em direรงรฃo a Camelot:
E de sua tiracolo brasonada
Uma poderosa corneta de prata pendia,
E enquanto ele cavalgava sua armadura,
     Ao lado da remota Shalott.

Tudo no clima azul e sem nuvens
O couro da sela brilhava com joias grossas,
O capacete e a pena do capacete
Queimaram como uma chama ardente juntos,
     Enquanto ele cavalgava em direรงรฃo a Camelot.
Como sempre, atravรฉs da noite roxa,
Abaixo dos brilhantes aglomerados estrelados,
Algum meteoro barbudo, deixando um rastro de luz,
     Sai da frente, Shalott.

Sua testa larga e clara brilhava sob a luz do sol;
Seu cavalo de guerra trotava com cascos polidos;
De baixo do seu capacete fluรญa
Seus cachos negros como carvรฃo enquanto ele cavalgava,
     Enquanto ele cavalgava em direรงรฃo a Camelot.
Da margem e do rio
Ele brilhou no espelho de cristal,
"Tirra lirra", junto ao rio
     Cantou Sir Lancelot.

Ela deixou a teia, ela deixou o tear,
Ela deu trรชs passos pela sala,
Ela viu o nenรบfar florescer,
Ela viu o capacete e a pluma,
     Ela olhou para Camelot.
A teia voou e flutuou amplamente;
O espelho rachou de um lado para o outro;
"A maldiรงรฃo veio sobre mim", gritou
     A Dama de Shalott.

Parte IV

No vento leste tempestuoso que se esforรงa,
As florestas amarelo-claras estavam minguando,
O largo riacho em suas margens reclamando,
O cรฉu baixo chove pesadamente
     Sobre a imponente Camelot;
Ela desceu e encontrou um barco
Debaixo de um salgueiro deixado flutuando,
E ao redor da proa ela escreveu
     A Dama de Shalott .

E descendo a extensรฃo escura do rio,
Como um vidente ousado em transe
Vendo todo o seu prรณprio infortรบnio--
Com um semblante vรญtreo
     Ela olhou para Camelot.
E no final do dia
Ela soltou a corrente e caiu;
O largo riacho a levou para longe,
     A Dama de Shalott.

Deitado, vestido de branco como a neve
Que voou livremente para a esquerda e para a direita--
As folhas sob sua luz cadente--
Atravรฉs dos ruรญdos da noite
     Ela flutuou atรฉ Camelot:
E enquanto a proa do barco serpenteava
As colinas e campos esbeltos entre,
Eles a ouviram cantando sua รบltima canรงรฃo,
     A Dama de Shalott.

Ouvi uma canรงรฃo de natal, triste, sagrada,
Cantado alto, cantado baixo,
Atรฉ que seu sangue congelou lentamente,
E seus olhos estavam completamente escurecidos,
     Virou-se para a imponente Camelot.
Pois antes que ela alcanรงasse a marรฉ
A primeira casa ร  beira da รกgua,
Cantando sua canรงรฃo ela morreu,
     A Dama de Shalott.

Sob a torre e a varanda,
Por muro de jardim e galeria,
Uma forma brilhante ela flutuou,
Morto-pรกlido entre as casas altas,
     Silรชncio em Camelot.
Eles chegaram aos cais,
Cavaleiro e burguรชs, senhor e dama,
E ao redor da proa eles leram seu nome,
     A Dama de Shalott .

Quem รฉ esse? E o que tem aqui?
E no palรกcio iluminado perto
Morreu o som da alegria real;
E eles se benzeram de medo,
     Todos os cavaleiros de Camelot:
Mas Lancelot refletiu um pouco;
Ele disse: "Ela tem um rosto lindo;
Deus em sua misericรณrdia lhe emprestou graรงa,
     A Senhora de Shalott."

Sobre o Autor:
Alfred Tennyson, 1ยบ Barรฃo de Tennyson (Somersby, 6 de agosto de 1809 — 6 de outubro de 1892), foi um poeta inglรชs. Estudou no Trinity College, em Cambridge. Viveu longos anos com sua esposa na ilha de Wight por seu amor ร  vida sossegada do campo. Muita da sua poesia baseou-se em temas clรกssicos mitolรณgicos, embora In Memoriam tenha sido escrito em honra de Arthur Hallam, um poeta amigo e colega de Trinity College, Cambridge, que esteve noivo da sua irmรฃ, mas que morreu devido a uma hemorragia cerebral antes de casar. Uma das obras mais famosas de Tennyson รฉ Idylls of the King (1885), um conjunto de poemas narrativos baseados nas aventuras do Rei Artur e dos seus Cavaleiros da Tรกvola Redonda, inspirados nas lendas antigas de Thomas Malory. A obra foi dedicada ao Prรญncipe Alberto, o consorte da Rainha Vitรณria. Tennyson fez tambรฉm algumas incursรตes pelo teatro, mas as suas peรงas tiveram pouco sucesso durante a sua vida.

Lady de Shallot na Arte
A Dama de Shalott ou A Senhora de Shalott, รฉ uma pintura a รณleo sobre tela do pintor Prรฉ-Rafaelita John William Waterhouse, de 1888. A obra estรก exposta na galeria Tate Britain, em Londres. Uma representaรงรฃo que ilustra o poema do inglรชs Alfred Tennyson (1809-1892), "The Lady of Shalott". A dimensรฃo da tela รฉ de 1,53 x 2m. Antes de Waterhouse criar sua “Lady of Shalott”, em 1888, outros pintores jรก a haviam retratado, principalmente os Prรฉ-Rafaelistas que se inspiraram na poesia de Tennyson, assim podemos citar William Holman Hunt (1827-1910) e Dante Gabriel Rossetti (1828-1882), que ilustraram uma publicaรงรฃo da obra, feita por Edward Moxon, em 1857, do poema de Tennyson, "The Lady of Shalott".

Histรณria Ver tambรฉm: The Lady of Shalott A cena รฉ uma representaรงรฃo visual da Lady de Shalott (Lady of Shalott), personagem que se insere ao mundo lendรกrio do Rei Arthur. O ciclo bretรฃo arturiano comeรงou a se estabelecer na Idade Mรฉdia, cujas fontes mais remotas pertencem ao sรฉculo VI, e possui diversas personagens muito conhecidas na cultura popular contemporรขnea, tendo sido bastante exploradas pelo cinema e pela literatura. Entre elas, alรฉm do prรณprio Arthur, destacam-se Guinevere, Merlin, Morgana, Lancelot, entre outras. Entretanto, nem sempre o universo do Rei Arthur foi assim tรฃo popular. Com o final da Idade Mรฉdia, o interesse pelo ciclo arturiano decaiu, ressurgindo apenas no sรฉculo XIX, no perรญodo romรขntico. Impregnada da visรฃo romรขntica do sรฉculo XIX, a Senhora de Shalott surgiria em 1833, quando o poeta inglรชs Alfred Tennyson (1809-1892) publicou a primeira versรฃo do poema The Lady of Shalott, com 20 estrofes. Publicaria ainda uma segunda versรฃo em 1842, com 19 estrofes, que se tornaria a versรฃo definitiva. A Senhora de Shalott teria sido inspirada na personagem Elaine de Astolat, da Lenda do Rei Arthur, cuja histรณria รฉ contada na obra do escritor inglรชs Thomas Malory (1405-1471), Le Morte d’Arthur, publicada em 1485. Outra possรญvel fonte de inspiraรงรฃo seria a novela italiana Donna di Scalotta, do sรฉculo XIII. 
Umberto Eco resume a narrativa do drama da Senhora de Shallot no seu livro Histรณria de Terras e Lugares Lendรกrios: 

A dama de Shalott vive nas cercanias de Camelot, atormentada por uma maldiรงรฃo da malรฉfica Morgana: morreria se olhasse na direรงรฃo de Camelot. Assim ela passa a vida fechada na torre, onde sรณ vรช o mundo exterior atravรฉs de um espelho. Mas, um dia, ela vรช Lancelot no espelho e fica perdidamente apaixonada, embora saiba que o cavaleiro ama a rainha Guinevere. Sabendo que vai morrer, ela foge num barco para desaparecer o mais longe possรญvel do homem amado. O barco รฉ arrastado pela corrente do rio Avon para Camelot, enquanto a dama dรก seu รบltimo suspiro cantando. ” 

Na pintura de Waterhouse รฉ possรญvel identificar muitos dos elementos presentes na narrativa poรฉtica. A cena mostra a Senhora de Shalott no momento em que a maldiรงรฃo jรก se concretizou. Uma paisagem ร  beira de um rio cuja natureza campestre serve de moldura ร  cena central. Ao fundo, รกrvores que pertencem a uma densa floresta escura e a direita a paisagem alรฉm do curso do rio. Na parte esquerda, os degraus de pedra do cais e mais a frente na รกgua do rio, a vegetaรงรฃo ribeira. No centro encontra-se uma moรงa ruiva, com um vestido branco sentada num barco. Neste momento ela jรก teria descido da sua torre e encontra-se dentro do barco, prestes a soltar as amarras do mesmo, que segura com sua mรฃo direita. Esta corrente matinha o barco ancorado ร  ilha, mas tambรฉm possui um significado metafรณrico: representa o medo da dama a respeito da maldiรงรฃo que a privou da vida. Ao deixar para trรกs as correntes e seus temores, a moรงa liberta-se. A sua fisionomia e olhar sรฃo de tristeza e desespero. A expressรฃo da modelo e a sua cabeรงa ereta lembram uma situaรงรฃo de sofrimento. Envolvendo o fundo do barco, onde estรก posicionada, vemos uma tapeรงaria bordada com figuras retratadas nela, como um cavaleiro e seus homens a cavalo, alรฉm de uma dama enfrente a um castelo e as suas bordas que se arrastam na รกgua. Essas cenas representam o que a Dama via atravรฉs do espelho, de certa forma, a sua vida atรฉ aquele momento. As trรชs velas, das quais sรณ uma ainda traz a chama acesa e prestes a apagar-se pelo vento, indicam que o seu tempo de vida estรก quase no fim, simbolizado pela chama das velas, das quais duas jรก se extinguiram e a รบltima encontra-se na iminรชncia de ser apagada. Na parte da frente do barco, hรก trรชs velas, duas apagadas e uma ainda acesa, alรฉm de um crucifixo que realรงam, juntamente com a cor do barco, o aspecto fรบnebre da cena. A sua boca estรก entreaberta, indicando o entoar do seu รบltimo canto. A beleza da luz crepuscular representada por Waterhouse indica o final do dia, momento em que ela solta o barco, funcionando tambรฉm como um sรญmbolo da morte iminente, a escuridรฃo que estรก prestes a cair. Flutuando na รกgua, estรก o lรญrio mencionado no poema. As folhas aparecem sobre a รกgua para representar nรฃo sรณ o outono da vida como a noรงรฃo vitoriana da "mulher caรญda", ou seja, a que sucumbiu ร  tentaรงรฃo sexual.
Sobre o Autor:
John William Waterhouse nasceu em Roma em meados do sรฉculo XIX, era filho de pais pintores ingleses. Viveu e trabalhou em Londres aonde frequentou a Academia Real Inglesa. Identificado pelo estilo prรฉ-rafaelita, pintou telas grandes retratando cenas da vida cotidiana e da mitologia grega. Pintor vitoriano romรขntico particularmente conhecido por sua representaรงรฃo de temas clรกssicos e de personagens e temas da literatura clรกssica e poesia, principalmente dos trabalhos de Dante Alighieri, Tennyson e Shakespeare. Morreu na cidade de Londres em 1917.

10 de outubro de 2018

Edgar Allan Poe - Poemas

1 - O Corvo  (The Raven)
E o corvo, na noite infinda, estรก ainda, estรก ainda
No alvo busto de Atena que hรก por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demรดnio que sonha,
E a luz lanรงa-lhe a tristonha sombra no chรฃo hรก mais e mais,
Libertar-se-รก… nunca mais!
– Traduรงรฃo de Fernando Pessoa
2 – Annabel Lee
“Porque os luares tristonhos sรณ me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares sรณ me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim ‘stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pรฉ do mar,
Ao pรฉ do murmรบrio do mar.”
–  Traduรงรฃo de Fernando Pessoa
3 – Sozinho (Alone)
Nos tempos de infรขncia nunca vi
Como os outros — nunca vivi
Como os outros — nem pude pegar
Paixรตes de uma fonte vulgar –
Dela nunca pude revolver
Minha tristeza — nem comover
Meu coraรงรฃo no mesmo caminho –
E tudo que amei — amei sozinho –
4 – Demรดnio da Perversidade (Imp of the Perverse)
“Nรฃo hรก na natureza paixรฃo mais diabolicamente impaciente como a daquele que, tremendo ร  beira dum precipรญcio, pensa dessa forma em nele se lanรงar. Deter-se, um instante que seja, em qualquer concessรฃo a essa ideia รฉ estar inevitavelmente perdido, pois a reflexรฃo nos ordena que fujamos sem demora e, portanto, digo-o, รฉ isto mesmo que nรฃo podemos fazer. Se nรฃo houver um braรงo amigo que nos detenha, ou se nรฃo conseguirmos, com sรบbito esforรงo recuar da beira do abismo, nele nos atiraremos e destruรญdos estaremos. Examinando aรงรตes semelhantes, como fazemos, descobriremos que elas resultam tรฃo-somente do espรญrito de Perversidade. Nรณs as cometemos porque sentimos que nรฃo deverรญamos fazรช-lo.”
5  – O Coraรงรฃo Denunciador (The Tell-tale heart)
“Ouvi todas as coisas no cรฉu e na terra. Ouvi muitas coisas no inferno. Como entรฃo posso estar louco?” […] 
“Eles estavam zombando do meu horror! — Assim pensei e assim penso. Mas qualquer coisa seria melhor do que essa agonia! Qualquer coisa seria mais tolerรกvel do que esse escรกrnio. Eu nรฃo poderia suportar por mais tempo aqueles sorrisos hipรณcritas! Senti que precisava gritar ou morrer! — e agora — de novo — ouรงa! mais alto! mais alto! mais alto! mais alto!
— Miserรกveis! — berrei — Nรฃo disfarcem mais! Admito o que fiz! – levantem as tรกbuas! — aqui, aqui! — sรฃo as batidas deste horrendo coraรงรฃo!”
6 – William Wilson
“Era Wilson, mas Wilson sem mais sussurrar agora as palavras, tanto que teria sido possรญvel acreditar que eu prรณprio falava, quando ele me disse:
– Venceste e eu me rendo. Mas, de agora em diante, tambรฉm estรกs morto… morto para o Mundo, para o Cรฉu e para a Esperanรงa! Em mim tu existias… e vรช em minha morte, vรช por esta imagem, que รฉ a tua, como assassinaste absolutamente a ti mesmo.”
7 – O Enterro Prematuro
“Hรก momentos em que, mesmo aos olhos serenos da razรฃo, o mundo de nossa triste Humanidade pode assumir o aspecto de um inferno, mas a imaginaรงรฃo do homem nรฃo รฉ Carathis para explorar impunemente todas as suas cavernas. Ah! A horrenda regiรฃo dos terrores sepulcrais nรฃo pode ser olhada de modo tรฃo completamente fantรกstico, mas, como os Demรดnios em cuja companhia Afrasiab fez sua viagem atรฉ o Oxus, eles devem dormir ou nos devorarรฃo, devem ser mergulhados no sono ou nรณs pereceremos.”
8 – A Queda da Casa de Usher
“Durante todo um dia pesado, escuro e mudo de outono, em que nuvens baixas amontoavam-se opressivamente no cรฉu, eu percorri a cavalo um trecho de campo singularmente triste, e finalmente me encontrei, quando as sombras da noite se avizinhavam, ร  vista da melancรณlica Casa de Usher. Nรฃo sei como foi – mas, ao primeiro olhar que lancei ao edifรญcio, uma sensaรงรฃo de insuportรกvel angรบstia invadiu o meu espรญrito. Digo insuportรกvel, pois tal sensaรงรฃo nรฃo foi aliviada por nada desse sentimento quase agradรกvel na sua poesia, com o qual a mente ordinariamente acolhe mesmo as imagens mais cruรฉis por sua desolaรงรฃo e seu horror.”
09 – Berenice
“Desviei involuntariamente a vista daquele olhar vรญtreo para olhar-lhe os lรกbios delgados e contraรญdos. Entreabriram-se e, num sorriso bem significativo, os dentes da Berenice transformada se foram lentamente mostrando. Prouvera a Deus que eu nunca os tivesse visto, tendo-os visto, tivesse morrido! […] Os dentes!. . . Os dentes! Estavam aqui e ali e por toda parte, visรญveis, palpรกveis. Diante de mim. Compridos, estreitos e excessivamente brancos, com os pรกlidos lรกbios contraรญdos sobre eles, como no instante mesmo do seu primeiro e terrรญvel crescimento. Entรฃo desencadeou-se a plena fรบria minha monomania e em vรฃo lutei contra sua estranha e irresistรญvel influรชncia. Nos mรบltiplos objetos do mundo exterior, sรณ pensava naqueles dentes. Queria-os com frenรฉtico desejo. Todos os assuntos e todos os interesses diversos foram absorvidos por aquela exclusiva contemplaรงรฃo.”
10 – Um sonho dentro de um sonho (A Dream within a Dream)
TAMERLรƒO

Doce consolaรงรฃo nesta hora extrema! 
Tal, Padre, agora nรฃo serรก meu tema... 
Nรฃo direi loucamente que um poder 
terreno me liberte do pecado 
sรดbre-humano de orgulho, em mim a arder. 
O tempo de sonhar รฉ jรก passado: 
Dizes que isso รฉ esperanรงa; e a desvairada 
chama รฉ sรณ a agonia de um anseio! 
Se creio na Esperanรงa... ร“ Deus! Bem creio... 
Sua fonte รฉ mais divina, mais sagrada... 
Anciรฃo louco eu nรฃo quero te chamar, 
mas isso รฉ coisa que nรฃo podes dar. 

Conheces de um espรญrito o segrรชdo, 
da soberba atirado em plena lama? 
Herdei, รณ coraรงรฃo a palpitar, 
teu quinhรฃo de desprรชzo, com a fama, 
a glรณria consumida, a cintilar 
de meu trono entre as jรณias, qual coroa 
infernal. Porque dor alguma o inferno 
pode agora trazer, que me dรช mรชdo. 
E anseias pelas flores, coraรงรฃo, 
e pelo sol das horas de verรฃo! 
Dรชsse tempo defunto o canto eterno, 
com seu soluรงo intรฉrmino, reboa, 
em teu vazio, nos sons enfeitiรงados 
de um dobre doloroso de finados. 

Do que hoje sou, jรก fui bem diferente. 
Usurpador, obtive, conquistei 
o diadema que cinge a fronte ardente. 
Roma e Cรฉsar nรฃo deu a mesma ousada 
heranรงa, que me estava reservada? 
A heranรงa de um espรญrito de rei, 
para lutar, espรญrito altaneiro, 
triunfalmente, contra o mundo inteiro. 

Em regiรฃo montanhosa ao mundo vim. 
As brumas de Taglay pulverizavam, 
ร  noite, o seu orvalho sรดbre mim, 
e acredito que as asas, em violentos 
tumultos, e as tormentas, e os mil ventos, 
em meus prรณprios cabelos se aninhavam. 

รŠsse orvalho, depos, do cรฉu tombando 
(entre noites de sonhos condenados) 
era um toque de inferno sรดbre mim, 
enquanto rubras luzes, cintilando 
em nuvens, que oscilavam quais pendรตes, 
pareciam-me, aos olhos malcerrados, 
do poder rรฉgio as predestinaรงรตes, 
e dos trovรตes profundos o clarim 
sรดbre mim se atirava, proclamando 
que, em humanas batalhas, estentรณrea 
– crianรงa louca! – a minha voz bradava 
(como minha ala se regozijava 
e ante รชsse grito o coraรงรฃo saltava!) 
o grito de combate da Vitรณria! 

Na fronte sem abrigo se esparzia 
a chuva rude, e o vento me tornava 
desatinado, cego, ensurdecido. 
Era apenas um ente que lanรงava 
louros em mim, pensava entรฃo, e a fria 
fรบria do ar fustigante, a meus ouvidos 
cantava a evocaรงรฃo de destroรงados 
impรฉrios, o clamor dos capturados, 
o rumor dos cortejos, a canรงรฃo 
com que aos tronos rodeia a adulaรงรฃo. 

Minhas paixรตes, desde รชsse infausto dia, 
sรดbre mim exerceram tirania 
tamanha, que, somente com o poder, 
se pรดde o meu carรกter conhecer. 
Mas, Padre, entรฃo, ali vivia alguรฉm... 
entรฃo... na juventude... quando a chama 
das paixรตes mais se alteia e mais se inflama 
(porque paixรตes sรณ a juventude tem), 
alguรฉm que soube ver, no peito de aรงo, 
de uma fraqueza feminil o traรงo. 

Nรฃo tenho tรชrmos... ai... para dizer 
o quanto รฉ doce o verdadeiro amor! 
Nem tentarei agora descrever 
dessa face lindรญssima o primor, 
pois seus contornos sรฃo, na minha mente, 
sombras que ao vento vรฃo, volรนvelmente. 
Recordo ter-me outrora debruรงado 
sรดbre folhas de ciรชncia do Passado, 
atรฉ que cada letra, tรฃo fitada, 
e cada tรชrmo se desvanecesse 
e seu prรณprio sentido se perdesse 
em fantasias e, por fim, em nada. 

Ah! todo o amor bem elas merecia 
e era o meu afeto qual de crianรงa. 
Razรฃo tinham os anjos de a invejar. 
Seu jovem coraรงรฃo era um altar 
em que meus pensamentos e a esperanรงa 
eram o incenso, a oferta que subia 
com pureza infantil, imaculada, 
de seu jovem modรชlo copiada. 
Por que os abandonei, pela paixรฃo 
da luz, que inflama e empolga o coraรงรฃo? 

Crescemos... e conosco o amor crescia... 
vagueando na floresta e nos desertos. 
Na tormenta meu peito a protegia 
e quando, amiga, a luz do sol sorria. 
E se ela contemplava os cรฉus abertos, 
sรฒmente em seu olhar os cรฉus eu via. 

A primeira liรงรฃo do amor nascente 
estรก no coraรงรฃo, pois, sob o ardente 
sol, vendo รชsses sorrisos sem cuidados, 
rindo de seus brinquedos estouvados, 
eu me lanรงava no seu seio arfante 
e em lรกgrimas minha alma se expandia. 
Ah! dizer mais eu nรฃo precisaria, 
nem acalmar temores vรฃos, perante 
quem ficava, sem nada perguntar, 
voltando para mim o quieto olhar. 

E embora merecesse mais que o amor, 
a minha alma impaciente se exaltava 
quando, num cume de montanha, a sรณs, 
a ambiรงรฃo lhe falava em nova voz. 
Todo o meu ser sรณ nela consistia;
o mundo e tudo quanto รชle encerrava, 
na terra, no ar, nos mares, a alegria, 
os quinhรตes pequenรญssimos de dor, 
que eram nรดvo prazer, os ideais, 
noturnos sonhos de vaidade impura, 
e as coisas mais sombrias, porque reais 
(as sombras... e uma luz bem mais obscura!) 
nas asas do nevoeiro se evolavam 
e assim confusamente se tornavam 
numa imagem, num nome... um nome... duas 
coisas, unificadas, porque tuas. 

Eu era ambicioso. Jรก tiveste 
paixรตes, Padre? Nรฃo! Nรฃo as conheceste! 
Um trono para mim, filho do lรดdo, 
que o mundo dominasse quase todo, 
sonhei, a maldizer a minha sorte. 
Mas, como todo sonho, tambรฉm รชste, 
sob o vapor do orvalho, voaria, 
nรฃo viesse da beleza o brilho forte 
que o cumulava, ainda que, se tanto, 
por um minuto, por uma hora, um dia 
pesar-me na alma com dobrado encanto. 

E passeรกvamos juntos, pela crista 
de elevada montanha, donde a vista 
caรญa, dos penhascos escarpados 
e altivos, das florestas, nos outeiros 
esparsos, de bosquetes coroados, 
rumorejando com seus mil ribeiros. 
Falava de poder e de vaidade, 
porรฉm mรฌsticamente, que a verdade 
a ela eu nรฃo queria revelar 
no que dizia; e entรฃo, em seu olhar, 
talvez eu lesse, descuidadamente, 
um sentimento, do meu prรณprio irmรฃo. 
O brilho de suas faces parecia, 
para mim, transformar-se em refulgente 
trono; e eu consentir nรฃo poderia 
que elas brilhassem sรณ na solidรฃo. 

De grandezas entรฃo eu me envolvia 
tomando uma fantรกstica coroa; 
e nรฃo era, contudo, a Fantasia 
que seu manto viera em mim lanรงar. 
E se entre a humanidade, a turba alvar, 
รฉ o leรฃo da ambiรงรฃo, que se agrilhoa, 
entregue ร  mรฃo de um domador que o mande, 
nรฃo รฉ assim no deserto; lรก, o que รฉ grande 
conspira com o terrรญvel e o sem-par 
para as almas com o sรดpro incendiar. 

Contempla Samarkand! Contempla-a agora! 
Nรฃo รฉ rainha da terra e se alcandora 
sรดbre as cidades tรดdas? Nรฃo lhes traz 
os destinos na mรฃo? E nรฃo desfaz, 
solitรกria e fidalga, tudo quanto 
de glรณria e fama neste mundo medra? 
Se cair, sua mais humilde pedra 
hรก de formar de um trono o pedestal. 
Quem รฉ seu soberano? Tamerlรฃo. 
รŠsse que os povos viram, com espanto, 
subir, calcando aos pรฉs cada naรงรฃo, 
um bandido com a coroa real! 

ร“ amor humano! Tu, que dรกs, no mundo, 
o que esperamos vir do cรฉu profundo; 
que cais na alma, qual chuva abenรงoada 
sรดbre a planรญcie adusta e calcinada; 
e, nรฃo podendo dar ventura, fazes 
do coraรงรฃo deserto sem oรกsis; 
tu, idรฉia que tรดda a vida encerra 
em mรบsica de sons tรฃo singulares 
e belos, que na selva tรชm seus lares, 
adeus! adeus! pois conquistei a Terra! 

Quando a Esperanรงa, essa รกguia da amplidรฃo, 
os altos cimos jรก nรฃo mais avista, 
suas asas se curvam, de mansinho, 
e o olhar se volta, doce, para o ninho. 
Era o sol-pรดr; e quando o sol declina 
um desespรชro sobe ao coraรงรฃo 
de quem ainda quisera ter ร  vista 
o esplendor estival da luz solar. 
A alma aspira a bruma vespertina, 
tรฃo cariciosa, atenta a perceber 
o som da treva (ouvido sempre pelos 
que sabem dar-lhe ouvido) a se arrastar, 
como quem quer, em meio a pesadelos, 
fugir de algum perigo, sem poder. 

Que importa brilhe a lua, a lua fria
com seu fulgor mais lรบcido e mais forte? 
Seu sorriso e seu brilho sรฃo gelados, 
naquelas horas de melancolia, 
como um retrato feito apรณs a morte 
(vendo-o, nem respiramos, assustados). 
E a juventude รฉ como um sol de estio, 
cujo poente รฉ o mais triste, porque entรฃo 
jรก nada mais ignora o coraรงรฃo 
e o que guardar quisemos no fugiu. 
Pareรงa a vida, pois, qual flor de um dia, 
com a beleza que, esplรชndida, irradia. 

Voltei para o meu lar, nรฃo mais meu lar,
pois tudo o que fazia assim se fora.
Penetrei no musgoso umbral e embora
fรดsse meu passo lento e comedido
veio uma voz da pedra do limiar,
a voz de alguรฉm que u conhecera outrora.
Oh! desafio o inferno a que apresente,
nos seus leitos de fogo, mais ferido
coraรงรฃo, ou desgraรงa mais pungente!

Eu creio, Padre, eu firmemente creio, 
e bem sei – pois a morte, que me veio 
da longรญnqua regiรฃo abenรงoada
onde nรฃo mais existem ilusรตes, 
vai entreabrindo os rรญgidos portรตes 
e cintilam os raios da verdade,
que nรฃo vรชs, atravรฉs da Eternidade... 
Sim, eu creio que Eblis pรดsto havia 
sua armadilha, sob a humana estrada. 
E se nรฃo, por que, quando eu me perdia 
no bosque santo dรชsse รญdolo, o Amor, 
de asas de eneve sempre perfumadas 
com o incenso das ofertas mais sagradas, 
no bosque iluminado intensamente 
pelos raios do cรฉu, nesse bosque onde 
nenhum ser, por mais รญnfimo, se esconde 
a seu olhar de รกguia, abrasador, 
por que, entรฃo, a ambiรงรฃo se insinuou, 
sem ser vista, entre os sonhos, a crescer, 
atรฉ lanรงar-se, a rir, ousadamente, 
nas madeixas do Amor, do prรณprio Amor?
UM SONHO

SONHEI, entre visรตes da noite escura,
com a alegria morta, mas meu sonho
de vida e luz me despertou, tristonho,
com o coraรงรฃo partido de amargura.

Ah! que nรฃo vale um sonho ร  luz do dia
para aquรชle que os olhos traz cravados
nas coisas que o rodeiam e os desvia
para tempos passados?

Aquรชle santo sonho, sonho santo,
enquanto o mundo repelia o pรกria,
deu-me o confรดrto, como luz de encanto
a conduzir uma alma solitรกria.

E embora a luz, por entre a tempestade
e a noite, assim tremesse, tรฃo distante,
que poderia haver de mais brilhante
no claro sol da estrela da Verdade?