Jรก estava entardecendo, mas eu ainda conseguia ver o jardim. Despertei em
meio a uma
paisagem natural, um bosque com trilhas, รกrvores e pedras ao redor, o meu olhar
se perdia por entre pinheiros, bรฉtulas, tรญlias, carvalhos que pareciam ter
sรฉculos de idade e salgueiros com seus ramos longos e pendentes.
Ao
meu redor vรกrios arbustos, veigelas floridas se destacavam fazendo o contorno
dos troncos das รกrvores, hortรชnsias, narcisos, violetas, jasmins, gerรขnios, sรกlvias-vermelhas,
lavandas, margaridas, verbenas e camรฉlias adornavam um lago coberto por
ninfeias e vitรณrias-rรฉgias, alรฉm de muitos outros elementos que cresciam sem nenhuma
intervenรงรฃo humana. Ao levantar, notei estar cercado por esculturas de gesso, estranhas
estรกtuas de homens e mulheres velhos, vestiam roupas comuns, um menino com uma boina
e sapatos gastos, uma menina de vestido, tinha lรกgrimas escorrendo pelo rosto e
se agarrava a uma boneca, todos pareciam ter uma expressรฃo de profunda tristeza
e sofrimento.
Olhando a paisagem percebi uma coisa, nรฃo me lembrava de como tinha chegado atรฉ este lugar, de ter saรญdo para caminhar, passado pelas รกrvores e de me deitar em meio a clareira. Quando fiquei totalmente desperto, nรฃo via ou ouvia nenhum animal, em meio a tantas flores nรฃo escutava abelhas zumbindo, besouros ou grilos voando sobre as folhas, nem mesmo aranhas tecendo suas emaranhadas teias e no lago nรฃo havia peixes, sapos ou salamandras, nem mesmo libรฉlulas danรงavam na superfรญcie da รกgua.
Parei
um pouco para reorganizar as ideias, busquei olhar mais ร frente, para o
horizonte, talvez assim conseguisse me localizar alรฉm do bosque, olhava para
cima, nรฃo sabia a hora exata, mas naquele momento o cรฉu รฉ uma aquarela de
infinitas cores. Um vislumbre ver sol e lua ao mesmo tempo, a dama de prata surgindo
ao leste, o sol jรก se pondo ao oeste e para o meu contentamento, embaixo do
cรญrculo dourado que estava ficando com tons de laranja e vermelho, estava a
silhueta gigantesca de uma construรงรฃo, primeiro monumento feito pelo homem que avistava
em meio a natureza.
Eu provavelmente
devia ter vindo de lรก, pois nรฃo conseguia identificar nenhuma outra edificaรงรฃo
em nenhuma outra direรงรฃo. Talvez, ao me afastar demasiadamente da casa, eu
tenha parado para descansar, caรญdo em sono profundo e conseguido despertar
apenas ao entardecer.
Mesmo
aliviado por ter para onde ir e seguir a diante pelo caminho da alameda, fui
tomado por um sentimento de tensรฃo, a cada passo dado, sentia como se alguรฉm ou
alguma coisa me observasse, tentava nรฃo alimentar essa sensaรงรฃo pois nรฃo havia
ser neste lugar que caminhasse alรฉm de mim, nรฃo havia vida humana neste bosque
alรฉm da minha. Deixei os temores de lado e comecei a andar para alcanรงar a
casa, pelo tamanho monumental do contorno que ela projetava no horizonte parecia
ser uma mansรฃo com muitos cรดmodos.
Segui
andando, mas, algo peculiar acontecia, apesar de caminhar bastante e de sentir
o tempo passar, nรฃo parecia nem um pouco que tinha me aproximado da casa, sua
posiรงรฃo era a mesma, ao olhar para o cรฉu, o sol ainda nรฃo tinha se posto, o tom
alaranjado e vermelho jรก estavam me deixando nervoso, a lua nรฃo chegou no seu
apogeu, o vรฉu da noite nรฃo cobriu o cรฉu, tรฃo pouco trouxe a resplandescรชncia
das outras estrelas. O cรฉu que contemplei com tamanha admiraรงรฃo hรก pouco tempo,
era o mesmo que naquele instante me deixava incomodado e aflito.
A
paisagem antes exuberante que me despertava atenรงรฃo tambรฉm jรก estava perdendo o
seu brilho, pois seguia incessantemente e nada parecia mudar, as mesmas flores,
a mesma trilha. Percebi algo perturbador, o lago nรฃo tinha borda, nรฃo enxergava
caminho para chegar atรฉ a margem, naquele espaรงo sรณ existia escuridรฃo.
Nรฃo tinha
como eu estar andando em cรญrculos, a estrada nรฃo fazia curvas, a casa, ou seja,
lรก o que aquilo fosse, continuava no horizonte, sol e lua ganharam um aspecto
detestรกvel de minha parte, nรฃo se moveram nem por um momento de seus lugares, eles,
juntamente com as estรกtuas, flores e รกrvores eram privilegiadas ao assistirem a
minha caminhada desafortunada.
Por
um tempo fiquei sem saber o que fazer, nรฃo sabia se pernoitava no caminho e
continuava na manhรฃ seguinte, com a luz do dia para me guiar ou se continuava
dessa forma, caminhando sem chegar a lugar algum. De repente pensei na
possiblidade de passar a noite aqui, mesmo que nรฃo tivesse visto nada que pudesse
ameaรงar a minha vida, tinha essa sensaรงรฃo horrรญvel e sufocante, o ar denso, sem
vento, junto as estรกtuas me observando, devia ser ainda pior na escuridรฃo e no
silรชncio da madrugada. Decidi entรฃo ir caminhando, mesmo indo devagar pela
trilha era melhor do que ficar parado.
No
fim de tarde รฉ costume ventos do leste abrandarem o calor, mas, nem mesmo uma
brisa balanรงava as รกrvores, pareciam feitas de pedra, seriam mais bonitas com o
farfalhar das folhas, com o cantar dos pรกssaros em seus galhos, com o voo de
joaninhas e borboletas pelas plantas, mas, nada acontecia, sentia um enorme
cansaรงo, mesmo achando que adormeci por vรกrias horas, minhas forรงas se dissipavam.
O
estado em que as coisas se encontravam era tรฃo bizarro que fiquei sem tomar
nenhuma atitude relevante alรฉm de caminhar, tinha perdido a noรงรฃo do tempo,
caminhava como se fosse uma missรฃo a realizar, uma sentenรงa a cumprir, por um
momento me sentia conformado, mas, isso mudara em um instante, pois mais ร
frente, o medo voltou a tomar meu corpo, o sentimento de pavor tomava a minha
mente por completo, notava alguรฉm muito prรณximo de mim e tive a nรญtida
impressรฃo de ter sido tocado, de sรบbito me virei para trรกs como se algo
estivesse lรก, mas nรฃo havia ninguรฉm, olhava para os lados, procurando alguรฉm ร
espreita, mas, nada. Os รบnicos olhos alรฉm dos meus eram os das estรกtuas, a mais
prรณxima era de uma crianรงa, uma menina de vestido, sapatilhas e tranรงas no
cabelo, com o rosto voltado para cima, olhos suplicantes para o cรฉu, cรฉu este
que nem queria mais contemplar.
Nรฃo
sei se minha mente estava a pregar peรงas ou a me alertar, se o meu cansaรงo me
traรญa ou me ajudava. Em questรฃo de segundos, por puro instinto, comecei a
correr, mas de maneira displicente nรฃo fui muito longe, tropecei, no meio do
caminho tinha uma pedra, tentei ficar de pรฉ, mas em vรฃo, nรฃo consegui conter a
queda e me lancei em direรงรฃo as flores, belos montes de violetas e lavandas
amorteceram meu corpo, jรก as pobres coitadas ficaram destruรญdas, despetaladas,
com os ramos quebrados e as folhas caรญram no chรฃo. Consegui levantar, atordoado,
pensei em praguejar e amaldiรงoar o lugar, mas eu nรฃo precisava, jรก era um local
maldito sem o desejo de ninguรฉm. No entanto, depois desse evento, alguma coisa
aconteceu.
Quase
que imediatamente, uma forte ventania balanรงou tudo ao meu redor, me lanรงando em
direรงรฃo a silhueta da casa e, tamanha a surpresa, a paisagem tinha mudado,
finalmente avistei algo inรฉdito, o fim da alameda. Cheguei em um cรญrculo
gramado e no meio um enorme arco gรณtico, esculpido e ornamentado com flores,
embaixo, uma tรกvola redonda com vasos cheios de belรญssimas rosas. Seguindo o novo
caminho, largo, delimitado por canteiros de murtas e com uma grande escadaria
que descia em direรงรฃo a outro jardim, este parecia estar sobe os cuidados de
alguรฉm e o melhor de tudo, a mansรฃo parecia estar mais prรณxima.
Os
caminhos estavam bem definidos, de contornos rรญgidos com cercas vivas de formas
geomรฉtricas planejadas, os arbustos compactos, perfeitamente cortados eram de
um verde tรฃo escuro e denso que pareciam ter sidos pintados ร mรฃo.
Nessa
parte do jardim, ciprestes podados em triรขngulos agudos, surgindo mais ร
frente, bancos adornados com pedras pretas, colunas elevadas com os topos
cobertos de rosas e grandes globos luminosos. As รบnicas coisas que restaram do
jardim anterior foram as estรกtuas, mas estas eram maiores, mais bonitas e
feitas de mรกrmore, corpos de mulheres de esplรชndida beleza em trajes
cerimoniais e homens com grande estatura e mรบsculos aparentes, ao olhar atentamente
para elas, percebei uma caracterรญstica das estรกtuas vistas no bosque, todas
elas possuรญam semblante triste e desesperado, como se no momento em que foram
esculpidas, estivessem olhando para a morte.
Os espaรงos a minha frente foram milimetricamente pensados, estava certo de
que os monumentos foram construรญdos por mรฃos humanas, assim como a mansรฃo,
fazendo com que os jardins fossem uma extensรฃo da casa, ela jรก aparecia alรฉm do
contorno, tinha janelas imensas, adornadas por esculturas de pedra e com vidros
completamente pretos, no entanto, ainda nรฃo conseguia ver como chegar atรฉ ela.
Os traรงados dos caminhos foram cobertos com cimento e placas de cerรขmica,
delimitados por cercas vivas muito fortes, com estrutura lenhosas, feitas de viburno
podado, formando um canteiro perfeito para a as flores, essas, bem diferentes,
nรฃo cresciam mais sozinhas a esmo pelo chรฃo, foram escolhidas para harmonizar o
espaรงo, para serem esculpidas e comportadas em cachepรดs, vasos decorados e
canteiros de vรกrios metros de extensรฃo e altura. Rosas brancas, rosas do รฉden, amarelas
e vermelhas, enormes e com espinhos maiores ainda, caules tรฃo verdes que nem se
assemelhavam a algo natural, mas sim com estruturas de ferro e com folhas gigantescas.
No chรฃo um caminho inteiro revestido de amor-perfeito, tulipas amarelas,
vermelhas e azuis formavam figuras geomรฉtricas, losangos, triรขngulos, cruzamentos,
todos iam em direรงรฃo a uma grande fonte e no centro dela, um imenso chafariz de
onde jorrava รกgua cristalina. Ao final de cada gigantesco retรขngulo havia pergolados
com caramanchรตes no topo, eu ficava parado embaixo deles para tentar recuperar
as forรงas, estava extremamente cansado, nรฃo tinha feito nada alรฉm de dar voltas
nesse jardim de proporรงรตes colossais, sem nenhuma esperanรงa de conseguir sair.
Aquela poda escultural das vegetaรงรตes, a simetria, estavam me deixando
enjoado, centenas de metros nessa perspectiva, em meio ร quela organizaรงรฃo, sem
nada fora do lugar, como tudo aquilo estava tรฃo bem podado, aparado, vasos com
arbustos completos, plantas amarradas em uma perfeiรงรฃo que me deixava agoniado,
nรฃo existia nada, alรฉm de flores, vasos, canteiros, trilhas, encruzilhadas, fontes,
estรกtuas, mas nenhuma simples formiga, centopeia ou lagarta passeava pelo chรฃo,
o รบnico barulho que quebrava o silรชncio era a queda d’รกgua do chafariz.
Mesmo ao livre eu jรก estava sufocando, queria gritar, chamar alguรฉm, nรฃo
tinha pensado nisso antes, tinha que chamar por socorro, as pessoas que cuidavam
do jardim viriam me ajudar, gritei com as forรงas que me restavam, mas nรฃo veio
uma sรณ alma. Mais uma vez comei a correr, apenas passando pelos caminhos
intocados, sem defeitos, alรฉm de nunca ter conseguido ver
alguma passagem para chegar atรฉ a casa, nรฃo tinha ponte, portรฃo, muro, nada
alรฉm de arbustos grandes, apesar de parecer mais prรณxima desde quando comecei
essa jornada, ela ainda estava inatingรญvel, parecia nรฃo existir ninguรฉm dentro
da casa que pudesse me ver do lado de fora, infinitas janelas, mas nenhuma
aberta, cercadas por vidros intransponรญveis, nada devia passar por eles, nem
mesmo a minha imagem.
Entรฃo, veio a minha cabeรงa, uma ideia assustadora, um temor percorreu
todo o meu corpo, se estava preso aqui fora sem ninguรฉm na casa para me ver e
ouvir, talvez, pessoas lรก dentro estivessem presas tambรฉm. E eu como um louco
querendo entrar. Nรฃo havia outra explicaรงรฃo, empregados deviam receber ordens
para deixarem as pessoas presas, sim, essa casa teria que ter empregados, alguรฉm
deveria ser encarregado de cuidar dessas malditas flores, podar os arbustos e
limpar a fonte.
Comemorei cedo demais, o sentimento de derrota tomava conta de tudo, mais
uma vez fiquei desnorteado, nรฃo entendo como vim parar nessa situaรงรฃo, nรฃo me
lembrava se alguรฉm me trouxera atรฉ aqui ou se fui convidado e vim de espontรขnea
vontade. Nรฃo tinha mais forรงas, caรญ de joelhos e sem querer voltei a olhar para
o cรฉu, agora mudado, o sol enfim estava se pondo, a lua brilhava esplendorosa,
como um pincel descarregando a tinta na รกgua e os traรงos pretos azulados da
noite empurravam os รบltimos raios vermelhos para o oeste pintando constelaรงรตes
magnรญficas por todo o cรฉu.
Tal cena ficou impressa nos meus olhos, presa para sempre em minha mente,
nรฃo permitiria mais que o pavor e o medo me controlassem, mesmo nรฃo querendo, a
casa era o รบnico lugar para o qual poderia ir. Comecei a pensar no que poderia ter me feito sair
do outro jardim. Depois de caminhar por horas e ver as mesmas coisas passarem
centenas de vezes, o รบnico acontecimento diferente foi ter tropeรงado e caรญdo
sobre os arbustos e estragar algumas flores. Quem sabe o fato de ter alterado o
estado “perfeito” das coisas, tivesse perturbado a entidade que mora aqui e que
tenha montado tudo isso, pois somente um ser de outro mundo para fazer essas
coisas sem a presenรงa de outras pessoas. Talvez ela nรฃo gostasse que mexessem
nas suas flores e estragassem seu trabalho, ficaria furiosa se pisassem na
grama tรฃo bem cortada e arrancassem as plantas de seus vasos. Eu poderia estar
apenas tendo pensamentos loucos, mas eu nรฃo tinha mais nada a fazer a nรฃo ser
tentar.
Sendo assim, saรญ correndo pela grama, com chutes, arranquei vรกrios tufos,
fazendo inรบmeros buracos, joguei terra pelo belo caminho polido, tirei vรกrios
picos dos ciprestes podados, pisei nas azaleias, amassei as tulipas, subi nos
canteiros pisoteando as murtas com toda forรงa, escalei as pรฉrgolas e puxei os
caramanchรตes, me transformei no vento forte que eu queria que aparecesse e me
levasse embora.
O que mais chamava atenรงรฃo nesse jardim com certeza eram as rosas, parti enraivecido
para cima de todas que encontrei, com elas destruรญdas, certamente alguรฉm viria
e eu aproveitaria a oportunidade para fugir. Derrubei dezenas de vasos, as
rosas caรญam aos montes pelo chรฃo, pisei nos ramos, arranquei pรฉtala por pรฉtala,
rasgava e picava as folhas em milhares de pedaรงos, minha fรบria era tanta que nem
percebi que enquanto atacava era tambรฉm golpeado, os espinhos furaram cada
centรญmetro das minhas mรฃos, meus braรงos, pescoรงo e rosto foram cortados, o
sangue manchava minhas roupas, caรญa nas rosas e pingava pelo caminho, mesmo
depois de tudo isso nada aconteceu.
Eu estava ofegante, desesperado, cansado e sangrando tambรฉm, senti o
gosto de sangue descer pela garganta, eu iria morrer naquele lugar, envenenado
pelos espinhos das roseiras. Esgotado, olhei para a casa que nunca alcancei,
nem saberia se estaria a salvo se chegasse atรฉ ela, jรก desorientado, caminhei
lentamente atรฉ a fonte no centro, morreria, mas tinha feito um belo trabalho
destruindo aquele jardim amaldiรงoado, entrei na fonte, manchei a รกgua lรญmpida
com meu sangue, estendi minhas mรฃos atรฉ o chafariz, aparei a รกgua e bebi, os goles
pareciam infinitos, como se fosse a รบltima vez que tomava o elixir da vida,
tirei minhas vestes e me banhei na fonte com รกgua tingida de vermelho.
Meu corpo ficaria preso junto as estรกtuas para sempre, minha mente em
devaneio pensava que talvez elas tivessem sido pessoas reais antes de tudo,
desistiram de procurar uma saรญda e morreram. Como em um รบltimo ato de uma รณpera
que termina em tragรฉdia, mergulhei esperei pelo meu fim, mas ao invรฉs de sentir
a morte se aproximar, o que eu vi parecia ser um milagre, cristais emergiram e
brilhavam na superfรญcie da รกgua, puxando o รบltimo ar de meus pulmรตes, me
levantei, senti uma brisa leve a soprar e tocar meu rosto molhado, a lua
pairava a cima da mansรฃo, ao olhar para a casa, todas as janelas estavam se
abrindo, raios de uma luz extremamente branca emanavam do interior, duas
grandes portas se abriram e diante delas uma passarela de mรกrmore ia surgindo, possuรญa
dezenas de metros e chegava atรฉ a fonte,
atรฉ mim.
Nรฃo acreditava no que estava vendo, mesmo assim nรฃo pensei em mais nada a
nรฃo ser levantar e ir em direรงรฃo a porta, me debrucei sobre o beiral, fiz uma
forรงa sobre-humana para sair da fonte. Cambaleante, andei pela passagem e chegando
enfim diante das portas abertas, entrei.
Eu estava ofegante,
desesperado, cansado e agora sangrando tambรฉm, senti o gosto de sangue descer
pela garganta, eu iria morrer nesse lugar, envenenado pelos espinhos das
roseiras. Esgotado, olhei para a casa que nunca alcancei, nem saberia se me
salvaria se chegasse atรฉ ela, jรก desorientado, caminhei lentamente atรฉ a fonte
no centro, morreria, mas tinha feito um belo trabalho destruindo aquele maldito
jardim, entrei na fonte, manchei a รกgua lรญmpida com meu sangue, estendi minhas
mรฃo atรฉ o chafariz e aparei um pouco d’รกgua e bebi, goles infinitos de รกgua,
como se fosse a รบltima vez que tomava o lรญquido dava a vida, tirei minhas
vestes e me banhei na fonte, agora com a รกgua tingida de vermelho.
Como em รบltimo ato de
uma รณpera que termina em tragรฉdia, esperei pelo meu fim, mas ao invรฉs de ver a
morte se aproximar, o que eu vi parecia ser um milagre, senti uma brisa leve
tocar meu rosto, a lua pairava em cima da mansรฃo, ao olhar para a casa, todas
as suas janelas estavam se abrindo, no interior, luzes comeรงaram as surgir e
como por puro encanto, duas grandes portas se abriram e diante delas uma
passarela era feita instantaneamente e chegava atรฉ a fonte, atรฉ mim.
Nรฃo acreditava no que
estava vendo, mas mesmo assim nรฃo pensei em mais nada a nรฃo ser levantar e ir
em direรงรฃo a porta. Cambaleante, me debrucei sobre o beiral, fiz uma forรงa
sobre-humana, saรญ da fonte e caminhei pela passagem, cheguei atรฉ as portas
abertas e entrei.
O Jardim da Casa Desconhecida
Evelyn Veiga