O
lugar onde duas irmรฃs buscaram abrigo em uma noite de tempestade nรฃo passava de
um casebre no qual o tempo jรก tinha devorado quase todo o alicerce, no รบnico
cรดmodo que se mantinha em pรฉ, havia quadros espalhados pelas tortuosas paredes,
as pinturas eram estranhas e passavam uma sensaรงรฃo angustiante.
Encolhidas em
um quanto, esperando o fim da tormenta, as irmรฃs observavam uma pintura ainda
presa ao cavalete, logo abaixo uma inscriรงรฃo do que era mostrado na tela, entre
os clarรตes dos raios que passavam por entre as rachaduras, puderam ler e
perceber que ele contava tambรฉm a histรณria de duas irmรฃs.
Eurรญdice
era uma mulher jรก idosa, no alto de seus oitenta anos, viveu plenamente, mesmo na
pobreza, buscara tirar o melhor de tudo. Tinha diante de seus olhos a conquista
ao sabor do vento, de coisas e pessoas insignificantes, mas verdadeiras.
Nada a
impedia de ajudar a quem precisasse, sua aura refletida pelo olhar, emanava o
mais alto grau da simplicidade, seus olhos mostravam atรฉ mesmo a contemplaรงรฃo
do infinito, tudo isso resguardado pelas rugas de seu rosto.
Sua irmรฃ, Maria, desejava mais que qualquer coisa, o poder de ver o mundo atravรฉs daquele olhar. Para conseguir algo mostrava olhos de cobiรงa e inveja, nรฃo conseguia arrancar palavras de admiraรงรฃo sincera de ninguรฉm, jรก que para ajudar o prรณximo, fazia apenas para satisfazer os seus prรณprios interesses.
Maria entรฃo decidiu que queria ter a sensaรงรฃo plena dos olhos de Eurรญdice, talvez a irmรฃ mais velha nรฃo tivesse mais muito tempo pela frente e aquele olhar fluรญdo de perpรฉtua paz, estaria para sempre, perdido. Convidou entรฃo a irmรฃ para posar para um retrato, seria uma homenagem singela e um presente para ela. Eurรญdice que nunca percebera o olhar malรฉvolo da irmรฃ, concordou, mas pediu que o quadro foi feito em sua pequena casa, pois mostraria assim a forma simples em que vivia.
Ao chegar no quarto, Maria foi tomada de sรบbito, pelos mais terrรญveis sentimentos, raiva, cobiรงa, รณdio em estado puro, na sua frente nรฃo tinha mais que uma cama e uma cรดmoda, objetos simples, nada que despertasse o interesse, mas em Maria, ardia o desejo inexplicรกvel de ter tudo aquilo.
Ao
posar para o retrato, Eurรญdice ficava defronte a irmรฃ, parecia estar rodeada
por um estado de graรงa que cobria todo o ambiente, seus olhos refletiam a
imagem da irmรฃ enquanto pintava, mostrando o reflexo do desespero, ira,
maledicรชncia e sobretudo, da ambiรงรฃo.
Conforme as horas iam passando, Maria estava cada vez mais obcecada nos olhos de Eurรญdice, a cada pincelada, um pedido era feito do fundo de sua alma para que pudesse viver daquela maneira pelo menos uma vez, enquanto a irmรฃ posava, seu olhar estรกtico fazia ร vontade jรก sobre-humana aumentar, chegando ao ponto de Maria se levantar e gritar, dizendo que tinha terminado e enfim, conseguido.
Em completo รชxtase, desabou morta ao chรฃo, Eurรญdice ao examinar o quadro, notou que a irmรฃ pintara um autorretrato, mas com os seus olhos no lugar dos olhos dela.
Em
completo รชxtase, desabou morta ao chรฃo, Eurรญdice ao examinar o quadro, notou que
a irmรฃ pintara um autorretrato, mas com os seus olhos no lugar dos olhos dela.
Os Olhos de Eurรญdice
Evelyn Veiga
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