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6 de outubro de 2020

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Toda tarde, quando vinham da escola, as crianรงas costumavam brincar no jardim do Gigante.Era um jardim grande e gracioso, com grama verde e macia. Aqui e ali, sobre a grama, destacavam-se flores lindas como estrelas, e havia doze pessegueiros que, na primavera, desabrochavam em delicadas flores em tons de rosa e pรฉrola, e no outono davam frutos deliciosos. Os pรกssaros pousavam nas รกrvores e cantavam com tanta doรงura que as crianรงas costumavam parar as brincadeiras para ouvi-los.
— Como somos felizes aqui! — gritavam umas para as outras.
Um dia, o Gigante voltou. Ele fora visitar um amigo, o ogro da Cornualha, e ficara com ele por sete anos. Terminados os sete anos, ele havia dito tudo o que tinha a dizer, pois seu assunto era limitado, e decidiu voltar ao prรณprio castelo. Quando chegou, viu as crianรงas brincando no jardim.
— O que estรฃo fazendo aqui? — gritou com uma voz muito รกspera, e as crianรงas fugiram.
— Meu jardim รฉ meu jardim — disse o Gigante. — Qualquer um consegue entender isso, e nรฃo vou deixar que ninguรฉm alรฉm de mim brinque nele.
Entรฃo, ele construiu um muro alto ao redor do jardim e colocou uma placa de advertรชncia.
Invasores serรฃo castigados!
Era um Gigante muito egoรญsta.
As pobres crianรงas nรฃo tinham mais onde brincar. Tentaram brincar na estrada, mas era muito poeirenta e cheia de pedras duras, e elas nรฃo gostaram. Costumavam passear em torno do muro alto quando as aulas terminavam, conversando sobre o belo jardim lรก dentro.
— Como รฉramos felizes lรก — diziam umas ร s outras.
Entรฃo chegou a Primavera, e em todo o paรญs havia florzinhas e passarinhos. Somente no jardim do Gigante Egoรญsta ainda era Inverno. Os pรกssaros nรฃo queriam cantar lรก porque nรฃo havia crianรงas, e as รกrvores se esqueceram de florescer. Um dia, uma linda flor ergueu a cabeรงa da grama, mas, quando viu a placa de advertรชncia, teve tanta pena das crianรงas que se recolheu de volta ร  terra e foi dormir. As รบnicas pessoas que ficaram satisfeitas foram a Neve e a Geada.
— A Primavera esqueceu este jardim — gritaram elas —, entรฃo vamos morar aqui o ano todo.
A Neve cobriu a grama com seu grande manto branco e a Geada pintou todas as รกrvores de prata. Depois, convidaram o Vento Norte para ficar com elas, e ele veio. Estava envolto em peles, rugiu o dia inteiro pelo jardim e derrubou os chapรฉus das chaminรฉs.
— Que lugar encantador — disse ele —, precisamos convidar o Granizo para nos visitar.
Entรฃo o Granizo veio. Todos os dias, por trรชs horas, ele sacudia o telhado do castelo atรฉ quebrar a maior parte das telhas de ardรณsia, depois corria por todo o jardim o mais rรกpido que conseguia. Vestia cinza e seu hรกlito era como gelo.
— Nรฃo consigo entender por que a Primavera estรก tรฃo atrasada — disse o Gigante Egoรญsta, sentado ร  janela, olhando para o jardim branco e frio. — Tomara que o tempo mude.
Mas a Primavera nunca veio, nem o Verรฃo. O Outono deu frutos dourados a todos os jardins, mas, ao jardim do Gigante, nรฃo deu nenhum.
— Ele รฉ muito egoรญsta — disse o Outono.
Por isso, era sempre Inverno lรก, e o Vento Norte, o Granizo, a Geada e a Neve danรงavam entre as รกrvores.
Uma manhรฃ, o Gigante estava deitado acordado na cama quando ouviu uma linda mรบsica. Soou tรฃo doce aos seus ouvidos que ele pensou que deviam ser os mรบsicos do Rei a passar. Na verdade, era sรณ um pequeno pintarroxo cantando do lado de fora da janela, mas fazia tanto tempo desde que o Gigante ouvira um pรกssaro cantar em seu jardim que parecia a mรบsica mais bonita do mundo. Entรฃo o Granizo parou de danรงar sobre a cabeรงa dele, e o Vento Norte deixou de rugir, e um perfume delicioso o alcanรงou atravรฉs da janela aberta.
— Creio que a Primavera finalmente chegou — disse o Gigante, pulou da cama e olhou para fora.
O que ele viu?
Teve uma visรฃo magnรญfica. Atravรฉs de um pequeno buraco no muro, as crianรงas haviam entrado e estavam sentadas nos galhos das รกrvores. Em todas as รกrvores que ele podia ver havia uma criancinha. E as รกrvores ficaram tรฃo felizes por ter as crianรงas de volta que se cobriram de flores e balanรงaram os braรงos delicadamente acima da cabeรงa dos pequeninos. Os pรกssaros voavam e gorjeavam com prazer, e as flores espiavam por entre a grama verde e riam. Era uma cena adorรกvel, mas num canto ainda era Inverno. Era o canto mais distante do jardim, e nele havia um garotinho. Era tรฃo pequeno que nรฃo conseguia alcanรงar os galhos da รกrvore e vagava em torno dela, chorando amargamente. A pobre รกrvore ainda estava muito coberta de Geada e Neve, e o Vento Norte soprava e rugia acima dela.
— Suba, garotinho! — disse a รrvore, e inclinou os galhos o mais baixo que pรดde; mas o menino era pequeno demais.
E o coraรงรฃo do Gigante se derreteu enquanto ele olhava para fora.
— Como fui egoรญsta! — disse ele. — Agora sei por que a Primavera nรฃo veio para cรก. Vou colocar aquele pobre garotinho no alto da รกrvore e depois derrubar o muro, e meu jardim serรก o parquinho das crianรงas para sempre.
Ele realmente lamentava muito o que havia feito. Assim, desceu a escada, abriu a porta da frente delicadamente e saiu para o jardim. Mas, quando as crianรงas o viram, tiveram tanto medo que fugiram, e o jardim voltou a ser Inverno. Sรณ o garotinho nรฃo correu, pois seus olhos estavam tรฃo tomados de lรกgrimas que ele nรฃo viu o Gigante chegar. E o Gigante aproximou-se por trรกs dele e o pegou gentilmente na mรฃo, e o colocou no alto da รกrvore. E nesse instante a รกrvore abriu todas as suas flores, e os pรกssaros vieram e cantaram nela, e o garotinho esticou os braรงos, lanรงando-os ao redor do pescoรงo do Gigante, e o beijou. E as outras crianรงas, quando viram que o Gigante nรฃo era mais malvado, voltaram correndo, e com elas veio a Primavera.
— Agora o jardim รฉ seu, pequeninos — disse o Gigante. Pegou um grande machado e derrubou o muro.
E quando as pessoas foram ao mercado, ร s doze horas, encontraram o Gigante brincando com as crianรงas no jardim mais bonito que jรก tinham visto.
Durante todo o dia elas brincaram. ร€ noite, foram se despedir do Gigante.
— Mas onde estรก seu coleguinha? — perguntou ele. — O garoto que eu coloquei na รกrvore.
O Gigante amava mais esse menino porque ele o beijara.
— Nรฃo sabemos — responderam as crianรงas. — Ele foi embora.
— Vocรชs devem dizer a ele para vir aqui amanhรฃ com certeza — disse o Gigante. Mas as crianรงas disseram que nรฃo sabiam onde ele morava e nunca o tinham visto antes; o Gigante ficou muito triste.
Toda tarde, quando as aulas terminavam, as crianรงas vinham brincar com o Gigante. Mas ninguรฉm nunca mais viu o menino que ele amava. O Gigante era muito gentil com todas as crianรงas, porรฉm tinha saudades do seu primeiro amiguinho e sempre falava dele.
— Como eu gostaria de vรช-lo! — dizia com frequรชncia.
Os anos se passaram e o Gigante ficou muito velho e frรกgil. Nรฃo conseguia mais brincar, por isso, sentava-se numa enorme poltrona, observava as crianรงas em suas brincadeiras e admirava o jardim.
— Tenho muitas flores bonitas — dizia ele. — Mas as crianรงas sรฃo as flores mais lindas de todas.
Numa manhรฃ de inverno, ele olhou pela janela enquanto se vestia. Agora, nรฃo detestava o Inverno, pois sabia que era apenas a Primavera adormecida e que as flores estavam descansando.
De repente, esfregou os olhos, admirado, e olhou e olhou. Com certeza era uma visรฃo maravilhosa. No canto mais distante do jardim, havia uma รกrvore coberta de lindas flores brancas. Seus galhos eram todos dourados, e frutas prateadas pendiam deles, e embaixo dela estava o menino que ele havia amado.
Para o andar de baixo correu o Gigante com grande alegria e sa­iu para o jardim. Correu pela grama e se aproximou da crianรงa. E, quando chegou bem perto, seu rosto ficou vermelho de raiva e ele disse:
— Quem se atreveu a ferir-te? — Pois na palma das mรฃos da crianรงa havia a marca de dois pregos, e marcas iguais em seus pezinhos. — Quem se atreveu a ferir-te? — gritou o gigante. — Dize-me, que eu hei de pegar minha grande espada e matรก-lo.
— Nรฃo! — respondeu a crianรงa. — Mas estas sรฃo as feridas do Amor.
— Quem รฉs tu? — perguntou o Gigante, e foi tomado por uma estranha reverรชncia, e se ajoelhou diante da crianรงa.
E a crianรงa sorriu para o Gigante e disse:
— Um dia, vocรช me deixou brincar no seu jardim; hoje, virรก comigo ao meu jardim, que รฉ o Paraรญso.
E, quando as crianรงas correram naquela tarde, encontraram o Gigante morto debaixo da รกrvore, todo coberto de flores brancas.

Audioconto Narrado por Guilherme Briggs

O narrador de O Gigante Egoรญsta รฉ Guilherme Briggs, ator, dublador, diretor de dublagem, locutor, tradutor, desenhista, youtuber e blogueiro brasileiro. Foi a voz de Buzz Lightyear, de Toy Story, Geralt de Rivia, na sรฉrie da Netflix The Witcher, Mickey Mouse (desde 2009), Cosmo, de Os Padrinhos Mรกgicos, Superman em A Liga da Justiรงa e dezenas de outros personagens amados da cultura pop. O tom grave da voz do Gigante foi criada pelo prรณprio dublador e o conto foi escolhido para explorar seu icรดnico timbre. 

Sobre o Autor
OSCAR WILDE era um alto e simpรกtico escritor nascia em 1854, em Dublin. Wilde, que mais tarde ficaria conhecido por suas obras O Retrato de Dorian Gray e O Fantasma de Canterville, era orgulhoso de sua terra natal, a Irlanda. 
Escreveu o livro The Happy Prince and other Fairy Tales em 1888, de onde O Gigante Egoรญsta foi traduzido. O conto, tรฃo famoso que ganhou uma animaรงรฃo em 1972, conta sobre um gigante que nรฃo queria crianรงas em seu jardim. Porรฉm, durante um longo inverno, seu coraรงรฃo comeรงa a amolecer, atรฉ que uma das crianรงas realmente toca sua bondosa alma. A histรณria pode ser vista como um encontro gentil entre o paganismo celta e o cristianismo na Irlanda e em terras gaรฉlicas. 
O cristianismo cรฉltico comeรงou no sรฉculo V e tinha tradiรงรตes รบnicas, diferentes das romanas. Como o prรณprio autor nรฃo se considerava catรณlico atรฉ horas antes de sua morte, รฉ possรญvel que este conto seja tambรฉm uma homenagem ร  sua mรฃe, Lady Wilde. De toda forma, a histรณria de redenรงรฃo e amor do Gigante tornou este conto um clรกssico de Wilde.