O coxo encanecido, com olhos cheios de malícia
Ávidos por ver nos meus de sua mentira a perícia
E com a boca sem conter a alegria intensa
Que repuxava seus cantos na crença
De que o predador outra vez se sacia.
Qual senão emboscar e laçar os andarilhos
Que porventura o encontram pelos trilhos
E vêm pedir direção? Que risada má eu teria escutado,
quem deixaria meu epitáfio marcado
por diversão nos terrosos caminhos,
Para aquele curso sinistro que, é sabido,
Esconde a Torre Negra? Porém eu, de boa-fé imbuído,
Tomei o indicado caminho, sem orgulho demonstrar
Nem esperança rediviva ao ver o fim se aproximar,
Mas sim gratidão pela idéia de algum fim existir.
Se na minha busca ano a ano estendida
Minha esperança tornou-se uma sombra encardida
E incapaz de com o gozo ruidoso da vitória lidar,
A festa no meu coração eu mal pude refrear
Quando este entreviu a batalha perdida.
Já parece morto, e pressente o pranto fatal,
e recebe de todos a despedida amical,
E escuta ao longe a saída de outro consorte
Para respirar lá fora, (não se muda a sorte,
ele diz, e o pesar não se alivia com o golpe final)
Se há espaço para o caixão e que hora
É a mais apropriada para levá-lo embora,
Sem esquecer dos estandartes, hinos e estolas,
O homem ouve cada uma dessas estórias
E, respeitando tanta candura, quer partir sem demora.
Já ouvi do fracasso o vaticínio e a confirmação
Para tantos e tantos companheiros da Afiliação
de cavaleiros que da Torre Negra atendem a chamada,
Que falhar como eles me pareceu a coisa acertada
E a única dúvida era: não seria essa minha função?
àquele coxo odioso, abandonando sua via
e adentrando o caminho apontado. Todo o dia
havia sido lúgubre, e as sombras, sobrepostas,
fechavam-se a minha volta, mas uma olhadela torta,
rubra e carrancuda, ele lançou à planície todavia.
Jurado à planície, após não mais que uma passada,
Parei para um último olhar à segurança da estrada
E nada mais havia, só a planura cinza avistei
Nada senão a vastidão sob o céu do astro rei.
Sem mais a fazer, decidi seguir caminhada.
Natureza tão miserável e ignóbil, onde nada medra:
Pois as flores – ou mesmo um cedro entre a pedra,
Embora murchando como pela sua lei previsto,
Mesmo no abandono perduram, pensaria você;
Descobrem-se tesouros quando a casca quebra.
Em condição estranha está essa parte da terra
“Veja, ou feche os olhos”, a Natureza berra
“Não há escapatória: ela é de todo néscia,
Só o fogo do Julgamento Final trará a panacéia,
Calcinando o chão e livrando os presos que ele cerra.”
Seus colegas não se achavam, e o talo estava decepado.
O que fez aqueles buracos e rasgos no folhado
escuro e duro da bardana, tão machucado
que era impossível pensá-lo regenerado?
Era preciso que um bruto as tivesse pisoteado.
Dos leprosos; magras lâminas secas na lama
Que parecia ter por baixo uma sangüínea trama.
Um cavalo cego e rijo, ossos à vista, lasso,
Parava ali, estúpido; havia chegado àquele pedaço:
Rebento que o garanhão do diabo não reclama!
Com seu pescoço rubro, descarnado e macilento.
E os olhos fechados por sob o pêlo bolorento;
Nunca o grotesco andou à desgraça tão unido;
E jamais senti por criatura ódio tão ardido:
Ele deve ser mau para merecer tal sofrimento.
Como um homem que pede vinho antes de lutar,
Visão mais feliz, de outro tempo, eu quis saborear
Para ficar mais apto a encarar minha missão.
Pensar antes, lutar depois, eis do soldado o bordão:
Um vislumbre do passado pode a tudo acertar.
Em meio a seu adorno de cachos dourados,
Querido amigo, eu quase o senti laçar meus braços
Para me colocar a postos na caminhada
Como ele sempre fez. Ai, noite desgraçada!
O fogo no meu coração se apagou, deixando-o gelado.
Leal como há dez anos, quando tornou-se cavaleiro
Capaz de ousar tudo que ousaria um homem verdadeiro
Mas – argh – a cena se modifica! Um carrasco infama
seu peito com um aviso que para todos informa:
Desprezado e amaldiçoado; traidor rasteiro.
Que eu volte então para meu caminho triste
Nenhum som, nada que se veja ao longe em riste.
Aparecerá morcego ou coruja após o poente?
Perguntei quando algo na planície descrente
capturou e dominou meu pensamento num despiste.
Veio tão inesperado quanto uma cobra
Sem o lento escorrer que a atmosfera desdobra
Poderia ser um banho, com seu burburinho,
Para o casco do demônio, a ver seu redemoinho
Negro borbulhar com espuma e faísca rubra.
Amieiros o cercavam, rasteiros e mirrados;
Salgueiros afundavam-se e afogavam-se desesperados
Numa síncope muda, num atropelo mortal:
Quem os destruiu foi esse carrasco manancial,
E, fosse ele o que fosse, fluía sem ser desviado.
De pisar o rosto de algum cadáver humano,
A cada passo – tateando com um ramo
A cata de buracos – seus cabelos entre meus dedos.
Um rato-d’água talvez tenha por acaso lancetado,
Mas, argh, parecia o grito de um menino.
Agora terras melhores me esperam. Vã esperança!
Quais foram os contendores? Qual foi a matança?
Que trotar selvagem pôde fazer desse solo molhado
Um atoleiro? Sapos em um tanque infectado
Ou gatos selvagens numa cela em incandescência –
O que os trouxe até lá, se tinham toda a planície?
Nenhuma pegada na direção daquela imundície
Nenhuma dela se afastando. Alguma poção demente
Agiu em seus cérebros, sem dúvida, como no da gente
Escrava – judia e cristã – que o turco atiçava por malícia.
Para que mau intuito servia aquela máquina, aquela polia –
Um travão, não uma polia -, aquela grade que fiaria
Corpos humanos como se fossem seda? O ar desonrado
Dos rituais de Tophet, na terra perdido, ou invocado
Para afiar o enferrujado metal da sua gradaria.
Depois algo como um pântano; e agora apenas terra dura
Desesperada e acabada (um tolo encontra ventura,
Faz algo e em seguida o destrói, seu humor desembesta
E ele o abandona!). Por dez ares, chão que cresta,
Lamaçal, seixos, areia, e uma esterilidade negra, impura.
E medonha. Agora, remendos onde a aridez do chão
Tornou-se musgo, ou substâncias em ebulição;
Surge então um carvalho, e nele há um corte
Como uma boca distorcida que cava seu porte
Num bocejo para a morte, morrendo em seu repuxão.
Nada no horizonte senão a noite, nada
Que direcionasse adiante minha passada!
Isso pensei, e surgiu um pássaro de imensa negrura
Amigo de Satã, a asa de dragão, na largura,
roçou meu gorro – talvez esta fosse a guia procurada.
Vi com mais clareza. A planície dera lugar
às montanhas que a cercavam – nome muito invulgar
Para meras alturas feias e montes a não mais ver.
Como poderiam elas ter-me surpreendido, tente esclarecer!
Como vencê-las também não era fácil deslindar.
Do qual fui vítima, Deus sabe quando –
Talvez em um mau sonho. Aqui estava terminando
O progresso por este caminho. Quando fiz que
desistia, mais uma vez, soou um clique
Como o de um alçapão atrás de mim se fechando.
Era este o lugar! À direita, esses dois morros, agachados,
como dois búfalos com os chifres enganchados;
Enquanto à esquerda, uma montanha alta… Boçal,
Imbecil, vacilar logo na hora mais crucial,
Você que treinou uma vida para ter olhos afiados!
e atarracada, cega como um coração rasteiro,
Feita de pedra marrom, sem igual no mundo inteiro.
O elfo, caçoando da tempestade que o ronda,
Aponta ao timoneiro o banco que ninguém sonda.
Ele aporta, por pouco não rompendo do casco o madeiro.
Ressurgiu para isto! E antes de partir novamente
O poente brilhou por uma fenda rente:
As colinas, como gigantes caçadores na tocaia,
Esperando que a presa na armadilha caia –
“Agora ataquem e matem a criatura, inclementes”.
dos sinos cada vez mais alto. Nomes nos meus ouvidos
Todos os aventureiros, meus companheiros perdidos –
Como, se um era tão forte, outro de tão corajoso bradar,
Outro tão afortunado, como foram perdidos acabar?
Um instante trazia tantos anos de sofrimentos renascidos.
Para assistir meu fim. Eu, uma moldura animada
Para mais um quadro! Numa súbita labareda
Eu os vi e reconheci a todos. E, destemido,
Deixei meus lábios formarem um bramido:
“Childe Roland à Torre Negra chegou”, foi minha chamada